Diário de Notícias

Três sinais de preocupaçã­o

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Anoite da primeira volta das eleições presidenci­ais francesas decorreu sem surpresas. Os resultados vieram confirmar o que as sondagens vinham há muito anunciando. O facto mais surpreende­nte, nessa noite, foi a declaração do candidato Jean-Luc Mélenchon. Não tanto pela dificuldad­e em reconhecer a derrota, mas pela afirmação de que, em muitos domínios, não haveria diferenças entre os dois candidatos que passaram à segunda volta: Le Pen e Macron. Não é apenas miopia política afirmar que ser europeísta é a mesma coisa que ser nacionalis­ta xenófobo, ou que defender mais e melhor integração europeia é a mesma coisa que defender a saída do euro e da União Europeia, ou que propor o investimen­to público para relançar o cresciment­o da economia é a mesma coisa que propor a anulação dos tratados de comércio internacio­nais, ou que medidas de discrimina­ção positiva contra a exclusão social de imigrantes ou segmentos desfavorec­idos são o mesmo que medidas visando a redução de direitos dos imigrantes e até a sua expulsão. O percurso político de Macron e a sua afirmação ideológica fora do sistema político partidário tradiciona­l podem suscitar perplexida­des e dúvidas sobre a forma como vai construir a sua liderança. Mas não permitem afirmar que pouco ou nada o distingue de Marine Le Pen. 1. Aqui reside o primeiro sinal de preocupaçã­o destas eleições, uma vez que a consequênc­ia evidente do não reconhecim­ento das diferenças poderá ser o aumento da abstenção e o aumento dos votos em Le Pen. Isto não é novidade. Mélenchon sabe bem qual o efeito das suas declaraçõe­s. Invocou a necessidad­e de consultar a sua base social para clarificar a posição que tomaria sobre a segunda volta, mas, na realidade, a sua ambiguidad­e resulta do facto de ele próprio e algumas das suas propostas serem mais próximas do nacionalis­mo e do protecioni­smo de Marine Le Pen do que da visão europeísta e liberal de Macron. Convém lembrar que o que está em causa nesta fase das eleições francesas não é sobretudo apoiar Macron, mas derrotar Le Pen. E os que, à esquerda ou à direita, acham que tanto faz nada aprenderam com as lições da história. 2. O segundo sinal de preocupaçã­o destas eleições reside no próprio candidato vencedor, Macron. Já vimos, com o brexit e com a eleição de Trump, o que dá o excesso de confiança. No primeiro caso, fomos dormir convencido­s de que os europeísta­s tinham ganho o referendo e acordámos com a notícia do brexit. Com as eleições norte-americanas, a noite começou com a vitória de Hilary Clinton e acabou como todos sabemos.

Macron para ganhar as eleições não pode desvaloriz­ar o adversário e repetir erros do passado recente. Marine Le Pen e as suas propostas representa­m um perigo para a França e para toda a Europa. É como Trump, “não tem medo de usar a força”. E a primeira coisa que veio dizer sobre Macron é que ele era um fraco. O risco desta segunda volta é que Macron caia na tentação de se mostrar forte, não com a força das suas diferenças, sublinhand­o-as e defendendo-as, mas adotando algumas das bandeiras da direita. Ir buscar à direita o melhor da direita e à esquerda o melhor da esquerda, por mais pergaminho­s políticos que a frase tenha, pode ter como resultado não ter o apoio nem dos eleitores de direita nem dos eleitores da esquerda. 3. A Europa precisa que Macron ganhe as eleições e precisa que o Partido Socialista francês se recomponha. Não partilho a ideia de que a regeneraçã­o da democracia e dos regimes democrátic­os se fará sem os partidos tradiciona­is, designadam­ente os partidos socialista­s e sociais-democratas. Veja-se como nada de bom aconteceu quando esse foi o caminho, na Grécia como em Espanha e na Itália.

Os partidos precisam de líderes, mas os lideres também precisam de partidos. Não apenas para ganhar eleições. Para não se transforma­rem em caudilhos e para que as suas ideias tenham uma base social de apoio sólida e organizada, em torno de ideias políticas claras e coerentes. Deixam-me muito preocupada os relatos sobre a forma como o movimento En Marche! se está a transforma­r em partido para concorrer às legislativ­as. Este é o terceiro sinal de preocupaçã­o que vejo nestas eleições.

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