Na democracia e nas artes, muitos quiseram participar em São Bento
Milhares de portugueses estiveram presentes nas celebrações do 25 de Abril, com espetáculos na residência oficial do primeiro-ministro e desfile na Avenida da Liberdade
As portas de São Bento abriram ontem às 14.00, meia hora antes do previsto, devido ao calor e à afluência de pessoas que aguardavam junto à residência oficial do primeiro-ministro para se associar às celebrações do 25 de Abril. Num espaço que acolheu diversas manifestações culturais, no edifício e nos jardins, sobressaíam as primeiras páginas dos jornais, publicados a 26 de abril de 1974, a anunciar os acontecimentos da véspera.
A apreciá-las, tendo na mão um livro de poesias escolhidas por Mário Soares, o estudante de Medicina José Duro dizia estar ali para evocar “o dia histórico” que permite que “o dia-a-dia dos portugueses seja vivido com liberdade” – mas também para assistir ao concerto de Jorge Palma.
Nos jardins, suscitava particular interesse a zona onde dois grandes painéis retangulares estavam a ser trabalhados com desenhos, pinturas e colagens. Ao princípio eram sobretudo idosos e duas ou três crianças a ajudar os verdadeiros artistas, entre os quais Vhils, mas qualquer um podia fazê-lo. “Pode continuar a escrever à vontade, o que quiser”, com latas de tinta, dizia um dos criadores a um dos participantes.
Ao longe, com máquina fotográfica na mão à procura do melhor ângulo, um familiar de Vhils, vindo de propósito do Alentejo, queria registar o momento – porque poderia já não ter tempo de assistir à inauguração da escultura feita pelo artista, num espaço junto ao lago e rodeada de cravos espetados na relva.
O evento também dava para brincar, com uma graffiter a dizer a um adolescente interessado em colaborar que aquilo era “só para maiores de 65 anos” – ao que a mãe retorquiu de imediato: “Vais em representação da avó.” A artista não se desmanchou, enquanto o ministro Tiago Brandão Rodrigues (Educação) se juntava a um dos grupos: “Mas a mãe também pode experimentar...”
Uma hora depois da abertura das portas chegaram António Costa e Carlos César, após um passeio de mais de uma hora pelo Bairro Alto. Mas se o açoriano que preside ao PS assumia estar “esfalfado” da caminhada no dia evocativo da conquista da liberdade, o chefe do governo aparentava continuar cheio de energia, tal a disponibilidade exibida para tirar selfies e fotografias com os muitos populares presentes.
Se a atitude de António Costa suscitava paralelismos com uma das imagens de marca de Marcelo Rebelo de Sousa enquanto Presidente da República, sempre pronto a tirar mais uma foto com cidadãos anónimos, Carlos César assumia resistir a essa prática – mas não escapava a ouvir uma socialista dizer-lhe: “Adoro ouvi-lo” dizer “umas verdades” no Parlamento.
Também a meia centena de crianças do coro Cant’Arte, depois das muitas palmas com que foram ovacionadas após cada tema de Zeca Afonso, surpreendeu os presentes ao gritar “António, António, António”, quando o chefe do governo avançou para as cumprimentar e à respetiva maestrina. Seguiram-se várias atuações musicais e a leitura de poemas de Manuel Alegre, evocativa dos 50 anos da publicação de O Canto e as Armas.
Novos gritos alusivos à data só no desfile da Avenida da Liberdade: “Abril está na rua, a luta continua”; “Somos muitos muitos mil para continuar Abril”; “25 de Abril sempre, fascismo nunca mais” .... ou, proclamava a Juventude Socialista, “Soares é fixe, Soares é fixe”. No passeio, no meio dos milhares de participantes com cravos na mão, o octogenário Luciano Lopes exclamava: “Temos de continuar a luta, sem luta a gente não consegue porque os capitalistas estão sempre à espreita... e a juventude sempre à frente, sempre à frente, que é o que nos conduz ao futuro.” Duas horas e meia após o início do desfile, no Marquês de Pombal, o fim do cortejo ainda estava em frente ao cinema São Jorge, a meio da avenida.