Três horas para entrar no Reina Sofía e ver o caminho de Picasso
É a exposição em que se explica o processo criativo do pintor espanhol
MADRID “A exposição é um capítulo novo de um percurso que leva a Picasso, em que o artista está dividido entre a piedade e o terror.” João Fernandes, subdiretor do Reina Sofía, em Madrid, define assim aquela que pode ser a exibição mais visitada na história do museu. Inaugurada a 4 de abril, nas primeiras duas semanas recebeu 80 mil visitantes, e já se diz que pode superar aos 730 mil que teve a mostra de Dalí em 2013. Piedad y Terror en Picasso – El Camino a Guernica “é uma tese que acrescenta algo de novo ao conhecimento da obra do Picasso”, explica Fernandes ao DN. A direção do museu convidou o britânico Timothy James Clark, “um dos peritos mais importantes na obra de Picasso e autor de um dos livros mais relevantes dos últimos anos [Picasso & Truth, Princeton University Press]”, a compor a exposição.
Há filas de espera três horas para ver o Guernica. Mas o que tem de novo? Algumas das quase 180 obras que acompanham o quadro mundialmente conhecido do pintor espanhol são apresentadas ao público pela primeira vez. Outras estavam em museus, mas eram pouco conhecidas. E todas elas, no seu conjunto, ajudam a perceber a obra maior de Picasso. “As obras desta exposição são muito particulares, não se podem substituir por outras. Foi um trabalho de investigação muito particular e tivemos de localizar muitas coleções”, sublinha o subdiretor. Todas elas ajudam a explicar a teoria de T.J. Clark segundo a qual o Guernica começa antes da encomenda da República de Espanha a Picasso. Defende que o quadro é o resultado de todo um processo de mudança da obra de Picasso (1881 -1973), que acontece a partir de 1925, em que determinados fatores são evidentes na sua obra. “O pintor abandona o cubismo ortodoxo e a sua pintura está mais contaminada pelo expressionismo e pelo surrealismo e tem uma dimensão poética que o leva a transfigurar a realidade. Constrói imagens fantasmagóricas, de certo horror, com uma certa monstruosidade”, sublinha João Fernandes. Lembra que é um momento particular da vida de Picasso, em que se aproxima do Partido Comunista Francês e assume ativamente a sua simpatia pela República espanhola. “E tem uma vida pessoal muito agitada, vive entre três mulheres”, sublinha.
A teoria de Clark, comissário da mostra, sustenta que Picasso enfrenta os horrores do seu tempo, tal como se pode contemplar na obra As Três Dançarinas, presente na mostra (considerado por Picasso o seu melhor quadro). Cedido pela Tate, de Londres, é uma das muitas obras provenientes de grandes instituições de arte do mundo inteiro. Como lembra Clark, houve uma “grande generosidade dos museus e coleções privadas” e um grande envolvimento dos herdeiros, com a presença do neto Bernard Ruiz-Picasso no dia da inauguração. Entre todos, conseguiram dar apoio à sua inovadora tese que pouco menciona a relação entre o quadro e o bombardeamento de Guernica (País Basco espanhol) pelo alemães a 26 de abril de 1937 – acontecimento que, reza a história, inspirou fortemente o pintor, que entregou a encomenda no dia 4 de junho, menos de dois meses depois.
Muitas das obras reunidas para a exibição mostram que Picasso introduz em meados dos anos 1920 o terror, o pânico, a deformação e a morte. Anos depois o pintor nascido em Málaga e exilado em Paris apresenta os monstros domésticos em quadros como Desnudo junto ao Mar (1929) ou Figuras junto ao Mar (1931) ou como os retratos que com a sua deformação antecipam alguns dos elementos do Guernica. Entre os quadros expostos no Reina Sofía encontrase uma das duas obras do pintor espanhol que integram a Coleção Berardo, em Lisboa, Femme dans un Fauteuil (1929). B.R. PIEDAD Y TERROR EN PICASSO – EL CAMINO A GUERNICA