Água no chope
No momento político que o Brasil atravessa, onde por causa da Operação Lava-Jato o poderoso de Brasília de hoje pode ser o inquilino de uma cadeia de Curitiba de amanhã, os telejornais são aguardados ainda com mais expectativa. Principalmente o Jornal Nacional da TV Globo, que marca a agenda do país há quase 50 anos, entre críticas, pela suposta parcialidade, e aplausos, pela indiscutível relevância.
No entanto, depois da leitura dos títulos das notícias, lidos por William Bonner e por Renata Vasconcelos, os apresentadores que como todos os seus antecessores fazem parte do dia-a-dia dos brasileiros, o jornal vem sendo interrompido por causa de propaganda partidária obrigatória, para só retomar o fio à meada uns dez minutos depois. O que gera no telespectador aquela sensação desagradável de coito interrompido ou, para usar uma metáfora mais suave e mais brasileira, aquela sensação de água no chope.
Até ouvirem o desenvolvimento das notícias, não raramente bom- básticas num país em que a cada dia acontecem mais coisas do que num semestre português, os brasileiros são obrigados a aturar a lengalenga dos partidos geridos por políticos cuja carreira a Lava-Jato pode concluir a todo o instante – e sem zapping que os salve, porque Band, SBT, Record, Cultura e as outras emissoras também passam a maçadora propaganda à mesma hora.
Mais maçadora ainda em vésperas de eleições por ser mais longa e por resultar num desfile de palhaços literais, surfando no efeito Tiririca, o deputado eleito sob o slogan “Vote em mim, pior que está não fica”, ou em ex-subcelebridades, como o pugilista Maguila, que usa o tempo de antena para socar um boneco em forma de Tiririca e exclamar “chega de palhaçada, política é coisa séria”. De resto, são arrumadores de carros, coveiros, astrólogos, bispos, pastores, a Mulher Melão, a Mulher Pêra, o Zé do Posto de Gasolina, o Geraldo da Padaria, a Ideneide do Salão de Beleza ou, pior ainda, políticos tradicionais com gravata ao pescoço mas sem vergonha na cara.
Para quem vem da sóbria (cinzenta?) Europa, os primeiros anos deste carnaval eleitoral são um gozo; mas depois de se tornar hábito entedia, como entedia os brasileiros há 70 anos, quando Carareco, o hipopótamo do zoológico de São Paulo, obteve cem mil votos, o suficiente para ser eleito vereador.
Ao mais alto nível – ou falta dele – a propaganda é assunto mais sério. Os candidatos à Presidência da República usam blocos publicitários sofisticados, impecavelmente produzidos, editados e realizados. E os debates são só para gladiadores capazes de golpes sem misericórdia onde mais dói, na família, e até cair para o lado, literalmente: nas eleições de 2014, Dilma Rousseff acusou Aécio Neves de empregar irmã, tio, três primas e três primos no governo de Minas Gerais; no duelo seguinte, o rival afirmou que o irmão da então presidente nunca fez nada na vida; no meio da tensão, Dilma acabou por cair, desmaiada; Aécio foi ouvido ao telefone a vangloriar-se do desfalecimento da concorrente.
Mas as campanhas eleitorais seriam um mero desfile tragicómico de candidatos exóticos ou apenas uma luta de galos para excitar as claques partidárias, não fosse o facto de custarem caro. Mais: não fosse o facto de serem elas, no final das contas, o fim último da corrupção no país.
Nove em cada dez casos de políticos apanhados nas teias da Lava-Jato ao longo dos últimos anos foram-no porque usaram dinheiro sujo de esquemas de companhias privadas, como a Odebrecht, e de empresas estatais, como a Petrobras, para irrigarem as suas campanhas.
Por isso o Jornal Nacional passar propaganda política entre o título e o corpo de uma notícia sobre um novo corrupto da Lava-Jato tem tudo a ver. Não é água no chope coisa nenhuma, é ilustração.
Para quem vem da sóbria (cinzenta?) Europa, os primeiros anos deste carnaval eleitoral são um gozo; mas depois de se tornar hábito entedia, como entedia os brasileiros há 70 anos, quando Carareco, o hipopótamo do zoológico de São Paulo, obteve cem mil votos, o suficiente para ser eleito vereador