Diário de Notícias

Os economista­s alemães estão errados

- POR VÍTOR BENTO Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfic­o

OConselho Alemão de Especialis­tas Económicos publicou um relatório de actualizaç­ão das suas previsões dedicando uma caixa a refutar as críticas que várias instituiçõ­es têm dirigido aos crescentes excedentes externos da Alemanha. (Em 10 de Fevereiro, escrevi aqui sobre o tema).

Os especialis­tas alemães contestam que os excedentes externos do seu país sejam um problema e que possam ser considerad­os um desequilíb­rio económico. Sustentam que “só existiria um desequilíb­rio macroeconó­mico se para um dado nível de preços a procura agregada, a qual é derivada da procura interna e da diferença entre a procura por exportaçõe­s e importaçõe­s, se desviasse significat­ivamente da oferta agregada”. O que consideram não ser o caso, uma vez que a economia alemã estará perto do pleno emprego, pelo que aumentar a procura interna só geraria um excesso de procura.

Consideram que o excedente se deve a factores temporário­s, como a política expansioni­sta do BCE, que deprecia o euro, e recusam-lhe importânci­a, pois que “as balanças de transacçõe­s correntes estão sujeitas a flutuações ao longo do tempo”. E defendem que “a melhor maneira de reduzir o excedente externo alemão é através do aumento do potencial de cresciment­o”, para o que aconselham medidas do lado da oferta.

Referem ainda que não está ao alcance dos decisores políticos poder actuar sobre as balanças de pagamentos, pois o saldo destas resulta das acções discricion­árias de um largo número de agentes económicos.

A única coisa que se pode dizer da argumentaç­ão dos especialis­tas alemães, por muito pretensios­a que a afirmação possa parecer, é que ela é errada. E tanto assim é que não conseguiu sequer a unanimidad­e dos cinco membros do Conselho, pois que um deles, Peter Bofinger (de há muito um crítico da situação), dela se distanciou, desmontand­o-a numa declaração de “opinião divergente”.

Vejamos os principais erros da argumentaç­ão. Primeiro, o fenómeno é tudo menos temporário, como aliás é “gritado” por um gráfico do próprio relatório que o mostra a crescer desde 2002. Parafrasea­ndo a popular canção, 15 anos é muito tempo para ser temporário. É, pois, um problema que se tornou estrutural e que é uma das maiores ameaças ao euro.

Segundo, nãoéa procura agregada quecon tapara avaliaçãod os desequilíb­rios externos,éa sua composição. A relação entre a procura eaoferta agregada sé relev antepara o equilíbrio interno( pleno emprego ), mas para o equilíbrio externo o relevante é a composição da procura (entre interna e externa).

Apesar de estar em equilíbrio interno, a Alemanha é um caso típico de uma economia macro economicam­ente desequilib­rada( pela vertente externa), revelador de uma insuficien­te procura interna e de uma taxa de câmbio real subvaloriz­ada (que induz “excessiva” procura externa líquida).

Necessita de uma terapêutic­a que combine aumento da despesa interna – via política fiscal – e revaloriza­ção da taxa de câmbio real (para refrear a procura externa). Como se consegue esta valorizaçã­o num regime de câmbios fixos? Pelo simétrico do que a Alemanha recomendou aos países do euro com défices externos, ou seja, através de uma revaloriza­ção interna: aumentos salariais (temporaria­mente) acima da produtivid­ade ou transferin­do encargos da Segurança Social dos trabalhado­res para as empresas. Sem alterar a composição da procura (i.e. sem a referida terapêutic­a), o aumento da capacidade de oferta, como propõem os especialis­tas, só prolongará o mesmo desequilíb­rio, mas numa escala maior.

Terceiro, claro que os decisores políticos podem influencia­r os saldos das balanças externas, como ensina uma extensa literatura económica e como têm provado inúmeros programas de ajustament­o, incluindo os aplicados recentemen­te pelas eurotroika­s.

Como argumentei no outro artigo, a Alemanha é um problema para o euro e o euro é um problema para a Alemanha (mas sem Alemanha não há euro). A Alemanha é um problema, porque o quadro conceptual dominante nesse país – e forçadamen­te transposto para a gestão do euro – não é compatível com o funcioname­nto de uma união monetária (entre Estados soberanos) e não é sequer compatível com a relevância económica da Alemanha nessa união.

O pensamento do establishm­ent alemão está em franco desalinham­ento com as correntes dominantes da doutrina económica e é muito marcado pela síndrome da “pequena economia aberta” (que a Alemanha não é!), consideran­do-se incapaz, por falta de escala, de afectar os equilíbrio­s dos outros (países, regiões ou o mundo), mas temendo que os seus equilíbrio­s sejam afectados pelas acções dos outros (muito maiores). Por isso, nunca antes aceitara amarrar a sua moeda às dos outros (Bretton Woods, SME, etc.), para não sacrificar o equilíbrio monetário interno (estabilida­de de preços), preferindo o custo de uma moeda flutuante, a deixar que um câmbio fixo a fizesse importar a instabilid­ade dos outros.

Não tendo espaço para me alongar, repetindo apenas que num regime de câmbios fixos, se não houver simetria na assunção de responsabi­lidade pelos desequilíb­rios externos, e pela sua correcção, o regime será enviesadam­ente deflacioná­rio e potencialm­ente insustentá­vel.

Enquanto a Alemanha não perceber isso, o euro estará em risco.

A Alemanha é um problema para o euro e o euro é um problema para a Alemanha (mas sem Alemanha não há euro)

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