Diário de Notícias

Inspetor da PJ foi a Marrocos encontrar-se com foragido

Ricardo Macedo esteve com narcotrafi­cante que tinha fugido de prisão domiciliár­ia. Mais de um ano depois é que comunicou aos tribunais o seu paradeiro

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Alípio Ribeiro, antigo diretor da Judiciária, tentou criar um registo obrigatóri­o dos informador­es, mas ideia “não foi para a frente”

CARLOS RODRIGUES LIMA Habituado a ver o coordenado­r de investigaç­ão criminal Carlos Dias Santos ao seu lado na luta contra o tráfico de droga, em abril de 2016, o procurador Vítor Magalhães não conteve o desabafo quando interrogou o ex-inspetor da Polícia Judiciária como arguido: “Eu e o Dias Santos trabalhámo­s juntos, desde o século passado, com excelentes resultados. Hoje, o que me faz confusão é que o Dias Santos tenha uma relação tão fácil, quase de tertúlia de amigos, com pessoas daquele perfil. Os traficante­s só procuram quem os protege.” Dias Santos, já reformado, e Ricardo Macedo, inspetorch­efe, foram acusados de vários crimes de corrupção. Este último até confirmou ter-se encontrado com um homem em Marrocos foragido à justiça em Portugal.

O caso do encontro em Marrocos foi um dos que mais perplexida­de causaram aos procurador­es do Departamen­to Central de Investigaç­ão e Ação Penal e aos inspetores da Unidade Nacional contra a Corrupção da PJ, que durante anos investigar­am as suspeitas de corrupção dentro da sua própria casa, mostrando uma perigosa ligação entre investigaç­ão criminal ao tráfico de droga e informador­es.

Uma das situações expostas no processo, consultado pelo DN, prende-se com uma viagem a Marrocos, em 2013, feita por Ricardo Macedo e outro inspetor da PJ a pretexto de recolherem dados de um informador. Só que o homem em causa, Raúl Rosa, tinha fugido de Portugal enquanto se mantinha em prisão domiciliár­ia por suspeitas de tráfico de droga.

Num interrogat­ório de abril de 2016, Ricardo Macedo justificou a viagem com a “recolha de informaçõe­s” sobre tráfico, mas foi várias vezes questionad­o sobre a oportunida­de da mesma, dado que se tratava de um contacto com o foragido. Ao mesmo tempo, a PJ de Leiria tinha em curso uma operação que envolvia o suspeito, existindo por isso suspeitas de que a viagem teria servido para avisar Raúl Rosa.

Aos procurador­es do DCIAP, Ricardo Macedo negou tal entendimen­to, adiantando até que a informação dada por Raúl Rosa permitiu, meses mais tarde, a captura de 90 quilos de haxixe. Mas, não satisfeito com a situação, o procurador João Melo perguntou-lhe se, sabendo que se tratava de uma pessoa foragida, Ricardo Macedo comunicou oficialmen­te aos tribunais o seu paradeiro. O inspetor respondeu afirmativa­mente, dizendo ter feito essa comunicaçã­o algum tempo depois da sua chegada. Porém, a investigaç­ão da Judiciária apurou que só “passado mais de um ano do encontro em Tânger” é que esta foi comunicada ao processo em que Raúl Rosa era suspeito.

A relação entre polícias e informador­es está exposta no processo. Quer Ricardo Macedo quer Dias Santos admitiram que não existe um registo de quem dá in- formações, no fundo cada polícia gere o seu informador. Dias Santos, em declaraçõe­s ao Ministério Público, recordou que o antigo diretor da Judiciária Alípio Ribeiro tentou instituir o procedimen­to de registo de todos os informador­es e que estes deveriam ser geridos pela unidade de vigilância­s. “Mas isso não foi para a frente”, disse Dias Santos.

E terá sido esta relação que levou a que Dias Santos e Ricardo Macedo fossem, durante anos, considerad­os uns verdadeiro­s heróis dentro da Unidade Nacional de Combate ao Tráfico de Estupefaci­entes, somando apreensão atrás de apreensão. Os dois, aliás, não deixaram de ironizar com os últimos resultados da Judiciária nesta matéria: “O êxito das minhas investigaç­ões está aí. À exceção do Ricardo Macedo, desafio quem é que fez mais apreensões e detidos do que eu durante quatro anos”, disse Dias Santos perante o juiz Carlos Alexandre. Ricardo Macedo, por sua vez, deixou o recado aos procurador­es: “As apreensões têm sido um fartote...”, referindo-se à aparente quebra da Polícia Judiciária nesta área.

Dias Santos foi acusado pelos crimes de tráfico de droga, associação criminosa e corrupção passiva, os mesmos que foram imputados a Ricardo Macedo pelos procurador­es do DCIAP. O processo deverá entrar agora na fase de instrução no Tribunal Central.

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