Só nos últimos três dias registaram-se três ataques de cães a crianças em Portugal. Entre janeiro e março, a GNR contabilizou 71
Mesmo que os detentores de cães perigosos ou potencialmente perigosos queiram cumprir a legislação na integra não o podem fazer. Isto porque a lei prevê que os animais sejam treinados por uma pessoa certificada pela PSP ou GNR mas, até à data, ainda não foi dado qualquer curso em Portugal. Ao DN, treinadores com formação nacional e internacional queixam-se da falta de regulamentação da profissão, que faz que qualquer pessoa se possa intitular treinador.
Treinadora há mais de dez anos, Cláudia Estanislau diz que, em Portugal, “qualquer um pode ser treinador, saiba ou não o que está a fazer”. Trata-se de “um vazio perigoso, tanto para tutores como para treinadores”, já que “há quem o faça sem formação”. Quando é contactada por tutores de cães potencialmente perigosos, a proprietária da It’s All About Gogs avisa que o certificado que passa não tem validade legal porque não tem formação dada pelas forças policiais. “Alguns avançam na mesma para o treino, porque reconhecem que é essencial educar os animais.”
Nos últimos dias foram noticiados três casos de ataques de cães a crianças, uma delas ferida com gravidade por um rottweiler, que passeava com o tutor, sem trela e sem açaime. Desde 2013 que é obrigatório que os detentores de cães perigosos e potencialmente perigosos sejam titulares de um comprovativo de formação e que o treino destes cães seja apenas ministrado por treinadores certificados por entidades autorizadas: GNR e PSP, de acordo com o que foi determinado legalmente em 2015. “Para definir as normas técnicas aplicáveis à certificação de treinadores e o programa de formação dos detentores de cães perigosos, foi criado um grupo técnico que reuniu elementos da PSP, GNR e DGAV, o qual concluiu recentemente os trabalhos”, explicou, em comunicado, o MAI, que prevê que a formação comece “até ao final do segundo trimestre deste ano”.
Uma formação que Cláudia ainda não sabe se irá fazer, porque “o treino que normalmente é dado pela GNR não é adequado para animais de companhia”. Baseia o seu treino no “reforço positivo”, já que “está provado cientificamente que tudo o que assuste ou magoe o cão provoca comportamentos agressivos”. É com a socialização – exposição a outros animais, pessoas, ruído, ambientes – que o treino começa, entre os dois e os quatro meses.
Segue-se o “treino de controlo de comportamento”: chamamento, sentar, deitar, autocontrolo. “Os treinadores ensinam técnicas aos tutores para lidarem com o cão a vida toda.” Vende pacotes de oito aulas, mas tudo depende dos objetivos do cliente. A ideia é ter o comportamento do animal controlado, mas não só dos cães potencialmente agressivos, já que “qualquer cão pode morder ou ter um comportamento agressivo. “Mais de 90% dos ataques podiam ser evitados. Os cães não têm culpa, reagem a um conjunto de estímulos.”
No ano passado, a GNR registou um total de 235 ataques e 284 vítimas; neste ano foram 71. Segundo a DGAV, mais de 23 mil cães perigosos ou potencialmente perigosos foram registados nos últimos 13 anos, estando hoje ativos 16 276 registos no primeiro caso e 1496 no segundo, num total de 726 395 cães de todas as categorias.
Pedro Silva, especialista em treino canino, diz que a maioria dos cães que treina são “rafeiros” que se tornaram agressivos e não os considerados potencialmente perigosos. E os dois cães “verdadeiramente perigosos” que encontrou eram “labradores”. No que diz respeito ao treino, há raças mais “teimosas” e “independentes”, assim como há outras que foram “feitas para colaborar com o homem” e que respondem melhor.
Controlar o comportamento do animal é um dos objetivos essenciais do treinador