Uma declaração a dois em chinês
PARA UNS ERA O INÍCIO DE UM ADEUS. PARA OUTROS, A MAIORIA, TRATAVA-SE DE UM RETORNO IMAGINADO A UMA PÁTRIA CONTÍGUA E PRESENTE, MAS SEPARADA POR ADMINISTRADORES QUE LHES FALAVAM NUMA LÍNGUA DESCONHECIDA. A 13 de Abril de 1987, Lisboa e Pequim decidiam os termos da entrega de Macau, corridos oito meses e quatro rondas de reuniões, bem menos que as 22 necessárias para que China e Reino Unido acertassem o futuro de Hong Kong. O processo, dado como pouco espinhoso pela maioria dos intervenientes, era visto como uma inevitabilidade após a Declaração Conjunta Sino-Britânica e, de alguma forma, um decalque ajustado desta, que viria a revelar ao longo do tempo algumas omissões – como a de uma provisão explícita para o sufrágio universal. Um vazio, hoje difícil de preencher, que mesmo o exíguo campo pró-democracia da atual região administrativa especial chinesa perdoa ao ex-colonizador: a Administração portuguesa era uma Administração derrotada desde meados da década de 1960 e da emergência no território de um campo pró-Pequim e pró-Partido Comunista Chinês. “Já havia o exemplo sino-britânico. Tudo correu bem porque era possível fazer referência às políticas e regras para Hong Kong. Neste processo, Portugal tinha uma posição passiva. Só exigia o que a China permitia”, afirma Chan Su Weng, antigo subdiretor do jornal Ou Mun - não só o jornal de maior circulação de Macau, como o mais ideologicamente alinhado com o Governo da República Popular da China.
Juntos no mesmo barco Chan Su Weng estava lá, em Pequim, no dia em que Zhao Ziyang, então primeiro-ministro chinês, e Aníbal Cavaco Silva, à época chefe do Governo de Lisboa, selavam oficialmente os preparativos para 12 anos de transição até à transferência de Administração de Macau para a China e um conjunto de garantias para o futuro como RAEM do último território colonial português. Integrava uma comitiva de repórteres chineses e portugueses que, durante o processo negocial, meses antes, procurava decifrar silêncios e alusões, sem que muito passasse para fora. “Naquela altura, o que os jornais chineses mais discutiam era a data em que o Governo português ia entregar Macau à China”, recorda. “Além desse, o principal assunto era a questão da nacionalidade já que a China não admite dupla nacionalidade. Naquele momento, os macaenses e os chineses com nacionalidade portuguesa estavam muito preocupados”, acrescenta. O destino vinha cifrado. “A um companheiro de viagem de barco no rio Zhejiang”, do poeta da dinastia Tang Meng Haoran, foi a mensagem deixada a repórteres que o inquiriam no aeroporto sobre os resultados da primeira ronda negocial pelo negociador-chefe chinês, Zhou Nan, então vice-ministro dos Negócios Estrangeiros chinês. “As águas estão calmas, a maré vazou, o vento amainou/e eu apanho um pequeno barco para atravessar o rio contigo”, resume-se numa tradução literal. Lisboa e Pequim estavam no mesmo barco. “Era uma relação de parceria e não uma relação de rivais”, interpretavam os jornais. Este e outros episódios são contados numa pequena colectânea de ensaios por jornalistas que acompanharam o processo – “Nós Testemunhámos a História”, numa tradução literal – editada por Chan Su Weng e publicada em 1999 pela Associação de História de Macau, à qual o jornalista aposentado hoje preside. Uma publicação em chinês, sem tradução para a segunda língua oficial de Macau, o português – o inverso era também frequente. E, antes como hoje, os repórteres e as respetivas línguas maternas trabalhavam em paralelo, e distantes. “Os jornalistas de ambos os lados não conversavam muito. Mas os portugueses tinham o apoio do Governo. As delegações ofereciam materiais para eles perceberem [o que se tinha passado]”, conta Chan. A televisão pública, TDM, a transmitir em canais nas duas línguas, fazia depois a junção das paralelas. “Verificavam os materiais para ambos os lados. Havia