Independentes em Lisboa
As novas produções de cinema e a música da região merecem uma programação dedicada na edição de 2017 do Indie Lisboa, que tem início dia 3 na capital portuguesa. Há peças de um lado A da cidade e peças de um lado B para compor um retrato da cinematografia recente de Macau e um mapa urbano que oferece cartões postais e temas transversais para reflexão: a perda das redes de sociabilidade tradicionais, as migrações, as relações entre diferentes culturas, a vivência da homossexualidade. Este ano, o Indie Lisboa tem uma janela para Macau, numa colaboração com a delegação dos Serviços de Turismo locais em Portugal, exibindo cinco produções cinematográficas no ciclo “Histórias de Macau” numa sessão especial que acontece no pequeno auditório da Culturgest, no dia 5, pelas 19h15. Na véspera, na Casa Independente, também em Lisboa, atuam os Turtle Giant, banda de rock alternativo local que abre a programação musical paralela do festival português de cinema independente, a decorrer entre 3 e 14 de Maio. No ano passado, o festival estendeu a sua programação até à região com um ciclo de cinema português organizado em colaboração com a Casa de Portugal em Macau. A afinidade também esteve na edição de 2016 do Indie Lisboa com a estreia de “Cartas da Guerra”, do realizador Ivo M. Ferreira, que tem em Macau a sua casa. Entre os programadores do Indie há ainda gente com um passado associado à região. “Houve sempre uma ligação e este ano houve a possibilidade de, em conjunto com o Turismo de Macau, desenvolver esta ideia de parceria, que abrange não só o cinema mas também outras áreas”, explica Carlos Ramos, um dos diretores do festival e o responsável pela programação de Macau. “Queremos mostrar não só dois filmes recentes – como “Sisterhood” de Tracy Choi e “O Cravo” de António Faria -, mas também alargar [o que mostramos] à cultura de Macau e fomentar a aproximação”, explica. Fruto desta colaboração, que envolveu também a Cinemateca Paixão, os programadores do Indie Lisboa tiveram à escolha um grupo de cerca de 30 produções locais dos últimos anos. No final,
foram selecionadas quatro curtasmetragens e uma longa-metragem: “Crash” (2011), de Hong Heng Fai, “The Roar of a Mother Bear” (2015), de Doug Chan, “Cake” (2016), de Tou Kin Hong, e “O Cravo” (2017), de António Caetano de Faria, além da longa “Sisterhood” (2015), de Tracy Choi. Um solitário professor de Matemática, habitante dos antigos bairros do Bazar de Macau, procura nas redes sociais empatia e ajuda quando a mãe, uma septuagenária que sofre de Alzheimer, desaparece. “Crash”, de Tou Kin Hong, transpõe para a outrora tradição convivial do bairro as novas relações que se estabelecem nas plataformas virtuais, eé a primeira produção alinhada na mostra de Macau. Segue-se “Cake”, de Hong Heng Fai, que acompanha as rotinas de um migrante do interior da China que acumula turnos como guarda do Museu de Arte e trabalhador da construção civil, e as cruza com as de uma trabalhadora vietnamita, também imigrante, cuja presença se insinua com a oferta constante e misteriosa de fatias de bolo. “O Cravo”, de António Caetano de Faria, é uma produção deste ano, com estreia agora em Lisboa, que surge de uma encomenda da Cinemateca Paixão, o novo espaço de programação regular de cinema independente de Macau. Um crime na Travessa da Paixão remete-nos para um universo próximo das histórias do escritor macaense Henrique de Senna Fernandes e para o imaginário de Wong Kar-wai ao mesmo tempo, num pequeno repositório de tradições que fecha com a imponente fachada de São Paulo entrecortada pelos prédios da travessa que serve de casa à Cinemateca local. “The Roar of a Mother Bear”, de Doug Chan, estreou em 2015 na terceira ronda de produção cinematográfica local “Macau Stories 3: City Maze”. Chega agora a Lisboa, num thriller que tem o Bairro de São Lázaro como pano de fundo e no qual uma mãe investiga a morte da sua filha. “Sisterhood”, a única longametragem da mostra, recua até à década de 1990 com a realizadora Tracy Choi a construir uma história de camaradagem entre quatro jovens trabalhadoras de um salão de massagens de Macau e, nesta, a da descoberta do amor entre duas mulheres que percorre o tempo da transferência de soberania de Macau e o estabelecimento de uma nova região administrativa especial chinesa. “Há uma ou duas linhas condutoras que atravessam os filmes. Há efetivamente um lado um bocadinho nostálgico – alguns programadores viveram em Macau, inclusive –, que se reflete por exemplo no filme da Tracy Choi, “Sisterhood”. Mas há também um olhar muito direcionado para histórias de Macau no sentido de histórias em que a cidade é sempre o elemento estético em pano de fundo em todos os filmes”, diz Carlos Ramos. Uma das forças da programação do Indie Lisboa está na multiplicidade de linguagens e geografias incluídas nas diferentes secções, explica, e desta vez a tela mostra em cantonês um território familiar e um grupo de cineastas a fazer o caminho inicial de uma produção profissional. “A missão de um festival como o Indie Lisboa passa muito por mostrar ao público novos olhares, novas narrativas. Neste foco em Macau há principalmente a missão de descoberta do que está a ser feito – desta nova geração de cineastas com o boom cinematográfico que tem havido nos últimos anos – e de descoberta de uma região através do cinema, percebendo diferenças culturais entre os realizadores de Macau e os dos filmes que costumamos passar”, afirma o diretor do festival. A região deixa também o cartão de visita no festival com um cocktail que acontece nos jardins da Culturgest, a par da sessão “Histórias de Macau”, e que dá a conhecer alguma da gastronomia macaense. Na noite anterior, a partir das 23h na Casa Independente, toca a banda Turtle Giant. “Eles abrem praticamente o Indie By Night. O festival começa no dia 3, e os Turtle Giant tocam na quinta-feira, dia 4. Ao fazermos este foco em Macau quisemos fazer também uma ligação à cultura macaense. Houve um trabalho de programação de ouvir várias bandas que existiam em Macau, No caso do Indie By Night, a ideia era encontrar uma ligação entre a música de uma banda de Macau e a identidade do Indie Lisboa”, explica Carlos Ramos. O grupo, que integra os músicos Beto Ritchie, Fred Ritchie e António Vale da Conceição, lançou no ano passado o álbum “Many Mansions”, o terceiro da sua discografia, e tem vindo a conjugar atuações ao vivo na região e em festivais internacionais como o South by Southwest (SXSW) com a inclusão de temas nas bandas sonoras de algumas das mais populares séries norteamericanas. “Foi uma grande surpresa ouvir o som dos Turtle Giant. Têm tudo a ver com o tipo de bandas que costumamos passar no Indie By Night”, diz o programador do Indie Lisboa.