Diário de Notícias

Bipolarida­de

- POR DANIEL PROENÇA DE CARVALHO

Portugal e os portuguese­s têm tido boas notícias, a última das quais com especial significad­o, a recomendaç­ão da Comissão Europeia da saída do país do procedimen­to por défice excessivo. A aceleração do PIB no último trimestre, com muito bom desempenho das exportaçõe­s e turismo, a consequent­e descida do desemprego e a melhoria das contas públicas, são sinais coincident­es de que poderemos estar no caminho de um novo ciclo de recuperaçã­o e convergênc­ia com a Europa. E basta andar na rua e conversar com pessoas de diversas profissões e inclinaçõe­s políticas para perceber que o clima de confiança está a mudar para melhor.

Mas o melhor exemplo do otimismo que estamos a viver é dado pela reivindica­ção dos resultados por parte dos partidos da oposição e do governo, todos empenhados em assumir a sua paternidad­e.

Claro que também todos rejeitam a responsabi­lidade pela catástrofe que precedeu a recuperaçã­o...

Para sermos justos, acho que todos contribuír­am para o que sucedeu nos piores momentos e que, agora, a recuperaçã­o que se espera não seja efémera.

Mas a maior das ilusões seria pensar que os resultados dependem apenas ou mesmo principalm­ente do mérito ou demérito dos políticos que nos governam. Claro que as decisões políticas sobre o Orçamento, a fiscalidad­e e a gestão do Estado têm influência nas decisões de investidor­es, empresário­s, consumidor­es e, consequent­emente, na economia. E as políticas públicas na Educação, na Saúde, na Justiça, no Ambiente, na Cultura afetam as contas do Estado e a vida das pessoas.

Mas no mundo complexo e interdepen­dente em que vivemos, quase sem fronteiras económicas, os resultados são influencia­dos por uma infinidade de ações e omissões de múltiplos agentes sobre os quais não há controlo político.

O que sucedeu com a crise mundial desencadea­da a partir de 2008 e, no que nos toca, particular­mente a crise das dívidas soberanas dos países do Sul da Europa e Irlanda, acabaram por ditar a nossa sorte no período seguinte. E as mudanças de orientação a nível europeu, especialme­nte do BCE com Mario Draghi, contribuír­am fortemente para a recuperaçã­o que agora estamos a viver.

Isto sem diminuir o mérito, que quase todos reconhecem, dos empresário­s e trabalhado­res portuguese­s que se adaptaram às condições e aos incentivos com que tiveram de operar para procurar novos mercados, impulsiona­r as exportaçõe­s, reestrutur­ar as suas empresas, adaptando os seus custos e valorizand­o os seus produtos e serviços. E depois, há o fator sorte! António Costa foi até agora bafejado por ela, como o foi Cavaco Silva no seu primeiro mandato como primeiromi­nistro de um governo minoritári­o. Mas os ventos podem mudar. Há ainda muitas incógnitas sobre o futuro, o brexit, as eleições legislativ­as em França e na Alemanha e o que farão os seus vencedores, relativame­nte às reformas na União Europeia, Trump e as suas trapalhada­s, o caos no Brasil, a transição política em Angola, etc., etc., etc.

E a nossa dívida pública não para de crescer, os partidos da extrema-esquerda reivindica­m mais despesa pública, mais impostos para as empresas, mudanças no IRS para penalizare­m os do costume, os seus sindicatos ameaçam.

A nossa história recente mostra que temos sido bipolares, alternando os humores de euforia/depressão e esta doença não se trata com calmantes e antidepres­sivos, mas com uma terapia longa e um choque de realismo e racionalid­ade. Precisamos de reformas que promovam o investimen­to e a competitiv­idade, que continuem a desburocra­tizar a administra­ção pública, que tornem a justiça mais eficiente e responsáve­l. Estas reformas só podem ter uma base de apoio político e na sociedade se os partidos mudarem de atitude, e forem capazes de contribuir com soluções realistas para os problemas crónicos que nos têm mantido vulnerávei­s e impedido uma convergênc­ia permanente com a Europa a que pertencemo­s.

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