“Ronaldo do Ecofin”. “Humor alemão” com leitura política
Com um longo historial de apreciações críticas à economia portuguesa, ministro das Finanças alemão elogia agora Mário Centeno
Chegou a levantar a possibilidade de um segundo resgate e, há apenas oito meses, dizia que “Portugal vinha tendo muito sucesso até [à chegada] de um novo governo.” Agora o ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, parece ter mudado de opinião – Mário Centeno é o “Ronaldo do Ecofin”, terá dito o responsável alemão na terça-feira, na reunião dos responsáveis das Finanças, numa altura em que o nome do ministro português volta a entrar nas contas para a futura liderança do Eurogrupo.
A revelação foi feita ontem no Playbook, a newsletter europeia do jornal norte-americano Politico, que cita uma fonte portuguesa não identificada. O texto, que intitula Portugal como o novo caso modelo de reformas na Europa, lembra que há apenas um ano o país estava à “beira de sanções económicas” e o “sucesso do governo de coligação de esquerda estava longe de assegurado”. Um ano depois está fora do procedimento por défice excessivo e prepara-se para pagar dez mil milhões de euros ao Fundo Monetário Internacional, sublinha o Politico.
As palavras atribuídas aWolfgang Schäuble são tanto mais surpreendentes quanto o ministro das Finanças alemão conta já com uma longa série de declarações pouco abonatórias sobre Portugal e a economia portuguesa. Marcelo Rebelo de Sousa parece, aliás, evocar isso mesmo no comentário que ontem fez à declaração atribuída ao político alemão: “Quem quer que disse isso, por uma vez não pensou mal.” “Comparável a mérito de Ronaldo” No Luxemburgo, o presidente da República fez questão de sublinhar que a saída de Portugal do procedimento por défice excessivo “é comparável ao mérito de Cristiano Ronaldo”. “Já tive ocasião de felicitar todos os portugueses pela saída do procedimento por défice excessivo, pela consistência, pelo trabalho. Se o resultado é comparável ao mérito de Ronaldo, sim”, afirmou o presidente português. Mais: “Ninguém consegue ser tantas vezes campeão da Europa ou do mundo sem consistência, sem trabalho e capacidade de visão do que é essencial.”
Por sua vez, questionado sobre se estaria disponível para apoiar o nome de Centeno para a presidência do Eurogrupo, o primeiro-ministro luxemburguês, Xavier Bettel, disse que a substituição do atual presidente – Jeroen Dijesselbloem – “não se coloca por enquanto”, escusando-se assim a responder.
Já sobre a comparação de Centeno a Cristiano Ronaldo, sublinhou que este foi bola de ouro, mas espera que Centeno “jogue de maneira mais refletida com os números” do que com uma bola “que tanto pode cair para a direita como para a esquerda”. Fait divers ou apoio político? Mas o que significam as palavras de Schäuble, um mero fait divers ou uma declaração com leitura política? Ambos, responde um político nacional com experiência no Eurogrupo, que diz não estranhar o tom informal do comentário – apesar dos “momentos de tensão o ambiente de trabalho não é carregado de formalismo, é de algum à-vontade, é um pouco o registo habitual de comentários”. Mas por outro lado, acrescenta a mesma fonte, também não se deve interpretar as palavras de Schäuble como um deslize de linguagem: “O ministro Schäuble anda nisto há muitos anos, sabe que as suas palavras acabam por ter impacto. É um comentário que deve ter uma leitura política.”
As palavras do poderoso ministro das Finanças alemão são conhecidas numa altura em que o nome de Mário Centeno volta a surgir como hipótese para suceder ao holandês Dijsselbloem, uma hipótese que não é afastada pelo governo português. Seria “uma grande honra” para Portugal, disse já o primeiro-ministro, António Costa. O próprio Mário Centeno não excluiu esse cenário numa entrevista, esta semana, ao canal televisivo norte-americano CNBC.
Ontem, Carlos César, líder parlamentar do PS, preferiu desvalorizar a declaração o ministro das Finanças alemão. “Como sou muito precaucionário, prefiro reter as últimas observações do senhor ministro das Finanças [alemão] desconsiderando o Estado português”, sublinhou o líder da bancada socialista. O DN tentou ontem ouvir 11 antigos ministros das Finanças sobre este tema mas, com exceção de Braga de Macedo – que classifica o episódio como um “momento de humor alemão” – foi o único que comentou o episódio. Os restantes estiveram incontactáveis ou escusaram-se a falar.