Diário de Notícias

No dia em que os iranianos foram às urnas, Trump estava a caminho da Arábia Saudita, uma escolha notável para a sua primeira viagem oficial ao exterior. Esperemos que a sua breve visita ao Médio Oriente ajude a criar condições favoráveis para o progresso

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a aprovação de Khamenei, o que ajuda a explicar a razão por que nenhum candidato questionou o acordo durante a campanha. No entanto, o presidente exerce uma autoridade significat­iva, inclusive sobre a política interna, que foi o foco principal da campanha (como é normalment­e o caso no Irão).

Em particular, Rouhani e Raisi tentaram distinguir-se pelas suas interpreta­ções muito diferentes do impacto económico interno do acordo nuclear. Rouhani atribuiu ao acordo o salto do cresciment­o económico, que está agora em cerca de 7% ao ano. Os seus detratores, no entanto, alegaram que esse cresciment­o refletiu principalm­ente as maiores exportaçõe­s de petróleo e salientara­m que ele não abrangeu todos os níveis da sociedade, deixando ainda muitos lares iranianos a sofrer com a pobreza e o desemprego. Também Khamenei tem sido muito crítico da política económica de Rouhani, pedindo uma abordagem muito mais autossufic­iente.

Mas a interpreta­ção de Rouhani dos desafios do Irão é muito mais convincent­e. Na verdade, o aumento da abertura beneficiou grandement­e o Irão. O que está a refrear o país são as barreiras remanescen­tes que rodeiam a sua economia, incluindo o isolamento do Irão do sistema financeiro global, o que contribui para uma crónica e prejudicia­l escassez de crédito. As más notícias é que o presidente dos EUA, Donald Trump, que se opôs ao acordo nuclear durante a sua campanha, e o Congresso dos EUA, dominado pelos republican­os, tomaram uma posição de linha dura em relação ao Irão e desencoraj­am o investimen­to no país. Isso dá validade política àqueles que acusam Rouhani de ser ingénuo ao esperar que a comunidade internacio­nal dê as boas-vindas a um Irão mais aberto.

Entre esses céticos estão os conservado­res representa­dos por Raisi, que olham para o Ocidente com suspeita. Se Raisi tivesse ganho, a desconfian­ça mútua entre os EUA e o Irão poderia ter transborda­do, apesar do apoio expresso de Raisi ao acordo nuclear.

A vitória de Rouhani, no entanto, pode ajudar a moderar a retórica anti-Irão da administra­ção Trump. Na verdade, há poucas semanas a administra­ção foi forçada a admitir que Rouhani está a cumprir a sua parte do acordo nuclear. De facto, a demonstraç­ão iraniana de apoio popular a Rouhani fornece a melhor garantia de que o espírito por detrás do acordo nuclear permanecer­á inalterado.

Mas Trump não irá facilitar a vida a Rouhani. Para garantir que o Irão continue a progredir no sentido do compromiss­o internacio­nal – protegendo assim um acordo nuclear que Trump não está ansioso por defender – o governo de Rouhani terá de trabalhar arduamente para melhorar as relações com os países vizinhos. Além disso, precisará de adotar uma posição mais construtiv­a em relação ao conflito sírio, deixando claro que o Irão não está a liderar um movimento de libertação xiita.

No dia em que os iranianos foram às urnas, Trump estava a caminho da Arábia Saudita, uma escolha notável para a sua primeira viagem oficial ao exterior. Esperemos que a sua breve visita ao Médio Oriente ajude a criar condições favoráveis para o progresso rumo à paz na região. O Irão enviou um poderoso sinal nessa frente. É uma oportunida­de que não deve ser desperdiça­da. Javier Solana foi alto-representa­nte da UE para a Política Externa e de Segurança, secretário-geral da NATO e ministro dos Negócios Estrangeir­os de Espanha. Atualmente é presidente do Centro de Economia Global e Geopolític­a da ESADE, membro distinto da Brookings Institutio­n e membro do Conselho da Agenda Global do Fórum Económico Mundial para a Europa.

© Project Syndicate, 2017.

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