César e Ferro lançam avisos à esquerda
Presidente da AR quer PS “fiel à sua matriz”. Presidente do partido avisa contra “complexos de esquerda”
JOÃO PEDRO HENRIQUES Aparentemente sintonizados, Ferro Rodrigues, presidente da Assembleia da República, e Carlos César, presidente do PS e da sua bancada parlamentar, lançaram ontem avisos aos restantes partidos da maioria de esquerda. Ambos aproveitaram as jornadas parlamentares em Bragança.
O primeiro a dar o tom foi César. O líder da bancada parlamentar socialista aproveitou uma visita a uma IPSS em Bragança, a Obra Social Padre Miguel, que assiste crianças e idosos, para desaconselhar “complexos de esquerda” que olham para os apoios do Estado a este tipo de instituições particulares – muitas delas ligadas à Igreja Católica – como algo que deve merecer “reservas” e ser “comedido”.
Pelo contrário, salientou: “O Estado não tem de ter o exclusivo nem sequer a prioridade” na ação social, “deve confiar” nas IPSS e a contratação com estas “deve ser reforçada”.
Na mesma ocasião, lançou ainda outro aviso aos partidos à esquerda do PS, que parecem dar sinais de querer pressionar o governo visando mais despesa pública no próximo Orçamento do Estado à boleia do bom desempenho das contas públicas e da economia.
“Aquilo que desejamos é não embarcar em euforias”, disse. “Há bons sinais mas não estamos em condições de fazer a reversão completa” das “medidas que lesaram” os portugueses durante a legislatura 2011-2015. Ou seja: “O nosso trabalho não é acalmar os partidos [da maioria de esquerda], é dar respostas aos portugueses.”
À noite, ao jantar, e num discurso puramente ideológico sobre a forte crise que atinge vários partidos socialistas por essa Europa fora, Ferro Rodrigues adiantaria a sua explicação para “o segredo do sucesso comparativo dos socialistas portugueses”. “Sinceramente, acho que o segredo para a saúde política do PS está no facto de o PS se ter mantido fiel à sua matriz de Partido Socialista democrático, europeu e reformista.” Isto é: “Há [na Europa] quem seja penalizado por viabilizar governos e políticas de austeridade ou de direita” mas também há quem “perca apoio por se virar para nichos mais radicais, como acontece no Reino Unido ou como vimos em França”. Ora “talvez o segredo do sucesso do PS esteja precisamente no facto de não ter ido por nenhum desses caminhos”, “nem viabilizou um programa que lhe era estranho nem aderiu a nenhum frentismo programático geral”. “O que eu vejo da Mesa da Presidência da Assembleia da República é que amigo não empata amigo. Cada um tem as suas identidades ideológicas e programáticas. Simplesmente elas não são chamadas para aquilo que é o centro da governação orçamental do país” e “isso tem permitido ao PS garantir estabilidade e resultados em perder identidade”. O PS, conclui, está a ser capaz de “fazer a síntese entre dois eleitorados essenciais a uma maioria de progresso: as classes trabalhadoras e as classes médias mais dinâmicas”.
Quanto às prioridades para o futuro imediato, agora que há “boas notícias na frente económica”, o presidente da AR recomendou um olhar prioritário sobre “os mais pobres” – recordando que ainda há 2,5 milhões de portugueses em risco de pobreza, como nota especial sobre os seus efeitos nas crianças e nos idosos – e sobre “uma classe média que tanto se sacrificou nos últimos anos”.