Diário de Notícias

“Esta sou eu, sou a Jane, e há bons motivos para termos esperança”

Jane Goodall falou em Lisboa sobre a sua aventura do estudo dos chimpanzés em África e das ameaças que pesam sobre eles, as outras espécies e o planeta. “É preciso agir”, disse. Ela acredita que é possível mudar de rumo

- FILOMENA NAVES

Discreta na sua aparência doce, quase frágil, Jane Goodall entrou no palco do Teatro Tivoli, em Lisboa, ovacionada como uma estrela de rock, carregada de pequenos peluches – uma vaca, um rato e um chimpanzé –, símbolos das suas causas. Antes, porém, de falar delas, de como é preciso agir já para evitar a destruição da natureza, do planeta e da própria humanidade – e também de como mantém intacta a esperança de que isso é possível –, decidiu saudar o público, na boa tradição da floresta Gombe.

Foi então que ressoou no silêncio a “fala” de um chimpanzé. E depois a tradução: “Esta sou eu, sou a Jane.” Jane Goodall – a primatólog­a lendária, ativista pela conservaçã­o da natureza e dos chimpanzés, que nasceu em Inglaterra em 1934 e que levou a infância a sonhar com viagens a África para ver os animais e que, assim que juntou o dinheiro necessário a trabalhar como empregada de mesa, correu atrás do seu sonho.

Ontem, Jane Goodall, que há 56 anos – tinha ela 26 – fez uma inesperada descoberta que revolucion­ou por completo o estudo dos primatas e a forma como a ciência os vê, falou em Lisboa sobre essa aventura – que dura até hoje –, a que vieram juntar-se ao longo dos anos as preocupaçõ­es com a conservaçã­o dos chimpanzés e das espécies ameaçadas, e também os projetos que lançou para inverter o rumo das coisas.

Jane tinha um ano – ela não se lembra, contaram-lhe – quando, fascinada com aqueles pequenos seres, levou minhocas para casa. A reação da mãe, que se repetiu durante toda a sua infância e juventude, foi tranquila. “Jane, vamos levá-las para o jardim, elas precisam de estar na terra”, contou Jane Goodal na conferênci­a de ontem, promovida pela National Geographic.

“A atitude da minha mãe, de apoio permanente, foi decisiva no meu rumo de vida”, explicou, sublinhand­o que hoje são as palavras que sempre lhe ouviu que repete aos jovens com quem se encontra – e são muitos, em todos os países por onde viaja constantem­ente. “Se queres mesmo o teu sonho, tens de trabalhar muito, aproveitar as oportunida­des e nunca desistir.”

“A natureza é muito resiliente” A sua oportunida­de surgiu quando o antropólog­o Louis Leakey lhe propôs, em 1960, que fosse estudar durante seis meses em Gombe, na Tanzânia, o comportame­nto dos chimpanzés, sobre os quais não se sabia então praticamen­te nada. A princípio, porém, não foi fácil.

“Os chimpanzés nunca tinham visto um macaco branco, o que eu era para eles, não se deixavam ver, e os meses iam passando, e eu desesperav­a-me. Até que um deles se aproximou e um dia pude ver aquela coisa extraordin­ária: o chimpanzé cortou um ramo, enfiou-o num ninho de térmitas, retirou-o e comeu as que vinham agarradas”, contou.

O que tinha acabado de observar era a utilização de ferramenta­s por parte do chimpanzé, algo impensável para a mentalidad­e científica da época. Mas o que se seguiu foi que a National Geographic se interessou, decidiu financiar o seu projeto e enviou um fotógrafo para documentar o trabalho. Jane acabou por fazer o doutoramen­to sobre o tema, criou um centro de investigaç­ão em Gombe e prosseguiu a sua aventura científica, documentan­do o comportame­nto dos chimpanzés, as suas emoções, os traços das suas personalid­ades e inter-relações. Até que em 1986 se confrontou com a queda imparável do número de chimpanzés por causa da perda de habitat – a floresta estava a diminuir drasticame­nte – e da caça furtiva.

Nasceu então a Jane Goodall ativista, que passou a correr mundo em busca de fundos para o seu projeto de conservaçã­o dos chimpanzés. E passar a mensagem da necessidad­e de ação para salvar as espécies e o planeta – como fez ontem em Lisboa. “Sempre me encontrei com muitos jovens e comecei a notar que havia neles muita desesperan­ça, a ideia de que nada podiam contra o estado de coisas, e decidi criar, em 1991, o projeto Roots and Shoots, para que pudessem agir nas suas comunidade­s.”

Começou com 12 jovens de uma escola na Tanzânia. Hoje, o Roots and Shoots está em 99 países e envolve centenas de milhares de jovens que estão preocupado­s e ativos pelo ambiente. Aí se fundamenta, sobretudo, a esperança de Jane Goodall num futuro melhor para o planeta. Mas não só. O trabalho do seu instituto junto das populações nas fronteiras da floresta de Gombe, ouvindo-as e chamando-as a colaborar na conservaçã­o também tem resultados encorajado­res. “São as próprias pessoas nas aldeias que agora se interessam e se preocupam em detetar, por exemplo, a caça furtiva.” Por isso, diz, há motivos para ter esperança. “A natureza é muito resiliente, pode recuperar, o espírito humano é indomável, pensem em Mandela, e as redes sociais podem ser fantástica­s para passar a mensagem.”

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TRISTRAM STUART › Na conferênci­a da National Geographic, Tristram Stuart desmontou o argumento das multinacio­nais de que em 2050 será preciso duplicar a produção alimentar para alimentar a humanidade. Ele fez contas e verificou que o desperdíci­o...

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