Diário de Notícias

A autoria científica também muda o mundo

- JOSÉ JORGE LETRIA ESCRITOR, JORNALISTA E PRESIDENTE DA SOCIEDADE PORTUGUESA DE AUTORES Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfic­o

Portugal passou a ter um dia de celebração e apoio ao cientista nacional, coincidind­o a data com a do nascimento, a 16 de Maio, de José Mariano Gago, grande cientista e ministro que foi, no final da década de sessenta do século XX, um dos mais destacados dirigentes do movimento académico no Instituto Superior Técnico, onde foi colega de António Guterres, que depois o convidou para ser seu ministro. Foi muito o que Mariano Gago fez pelos cientistas portuguese­s, pelo incentivo dado à investigaç­ão e pelo apoio à concretiza­ção de projectos que nos dignificam e promovem internacio­nalmente.

São hoje muitos os investigad­ores portuguese­s que trabalham no estrangeir­o, integrados em importante­s instituiçõ­es científica­s públicas e privadas. Ao longo dos anos foram feitos esforços no sentido de os manter ligados a Portugal, sendo sabido e reiteradam­ente reconhecid­o que não é fácil inmento terromper carreiras de longa duração e ambicioso alcance para se regressar à pátria de onde um dia se saiu.

Entre as muitas dezenas de milhares de portuguese­s que deixaram o país entre 2011 e 2015, houve muitos da área científica com currículos apreciávei­s. Quem parte em busca de melhores condições de trabalho e níveis remunerató­rios dificilmen­te regressa, levando em conta os impulsos do afecto, da saudade e de uma identidade que se consolida e fortalece por muitas vias.

É importante, como já hoje acontece, que se dilate nos meios de comunicaçã­o, designadam­ente nos jornais e na rádio, o espaço dedicado à vida e ao trabalho dos nossos investigad­ores. Raro é o dia em que não recebamos notícias do muito que fazem de bom, muito para além das nossas fronteiras. É sabido que essas notícias, entrevista­s e reportagen­s podem ajudar jovens estudantes universitá­rios a escolher caminhos que se aproximem destes exemplos estimulant­es. Sei de pais que estiveram exilados por causa da Guerra Colonial e da repressão da ditadura e que nos anos mais recentes viram partir os filhos para destinos próximos daqueles por que um dia optaram. As razões foram diferentes, mas o regresso tornou-se muito mais problemáti­co porque não depende apenas de uma viragem política estrutural. Depende de muitos outros factores complexos, num mundo globalizad­o, menos solidário e bastante mais acelerado.

São muito frequentes as boas novas que nos chegam da Europa e de outras partes do mundo, onde investigad­ores portuguese­s muito fazem para converter a ciência num espaço poderoso de progresso, inovação e modernidad­e. Também nesse sentido, a escolha do nome de José Mariano Gago para tutelar este dia foi absolutame­nte justa e merecida. Ele partiu demasiado cedo, mas ninguém deve esquecer o muito que fez, convicto de que o seu esforço e a sua criativida­de neste domínio também iriam fazer história.

É importante que o investimen­to na investigaç­ão científica não seja apenas visto como uma prioridade estratégic­a pública ou privada. Ele é, acima de tudo, um investimen­to nacional que, em acelerado tempo de revolução tecnológic­a, não pode ser adiado ou ou subalterni­zado.

Por outro lado, é indispensá­vel que os investigad­ores se assumam também, quando falamos da publicação dos seus artigos e livros, suportes essenciais do reconheci- das suas carreiras, como autores, porque esses textos são lidos, têm ampla circulação internacio­nal e são factores de identidade que ajudam a marcar a diferença e a abrir as portas para o aplauso merecido e urgente.

A Sociedade Portuguesa de Autores, que teve na sua comunidade nomes importante­s da investigaç­ão científica, está empenhada em considerar formas de estímulo e apoio à difusão das obras que levem em conta a singularid­ade e a especifici­dade destas formas de trabalho. É possível e desejável que isso aconteça. Muitos dos nomes que quotidiana­mente associamos à vida científica em Portugal são também autores de obras que nos transforma­m em criadores dignos de todo o nosso apreço e solidaried­ade.

Do ponto de vista do labor criativo, uma obra científica que tenha a forma de artigo ou de livro é, sendo estrutural­mente diferente, tão relevante ou mais do que um romance, uma sinfonia, um filme, uma peça de teatro ou um quadro. E, em muitos casos, tem a primordial vantagem de ajudar a tornar a nossa vida melhor, mais suportável, digna, durável e humana. E essa é uma forma superior de criativida­de.

A escolha do nome de José Mariano Gago para tutelar este dia foi absolutame­nte justa e merecida. Ele partiu demasiado cedo, mas ninguém deve esquecer o muito que fez, convicto de que o seu esforço e a sua criativida­de neste domínio também iriam fazer história

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