Diário de Notícias

“É a partir de Lisboa que a Nova Rota da Seda pode tomar o barco para as Américas”

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PAULO DUARTE, INVESTIGAD­OR DO INSTITUTO DO ORIENTE, EM LISBOA, É AUTOR DE UMA TESE DE DOUTORAMEN­TO SOBRE A INICIATIVA FAIXA E ROTA CUJA SÚMULA SERÁ PUBLICADA NO FINAL DO ANO PELO INSTITUTO INTERNACIO­NAL DE MACAU.

- Como é que uma das economias mais protecioni­stas do mundo convence o resto do mundo de que é a campeã da globalizaç­ão?

Paulo Duarte – O softpower é um conceito no qual a China é um ator tardio. Mas tem dado ultimament­e grandes passos ao nível da capacidade de atração. Uma série de incentivos - de empréstimo­s com mais vantagens que os ocidentais e prazos mais alargados de pagamento a bolsas de investigaç­ão a países sobretudo africanos – contribui para o nascimento de uma espécie de softpower, embora tardio, para um chamado Consenso de Pequim, em oposição ao chamado Consenso de Washington, que aposta na chamada democracia, nas reformas políticas, com uma política de interferên­cia a nível institucio­nal. A China não tem tido até aqui essa particular­idade de condiciona­r. Simplesmen­te, interessal­he aquilo a que chama o comércio win-win - embora não haja almoços grátis. Para perceber a capacidade de convencer da China, há que perceber o contexto. Porque é que a China lança há quatro anos a sua Nova Rota da Seda? A economia chinesa tem crescido ao longo dos anos, mas de há um período para cá tem havido uma desacelera­ção. Isto significa que é preciso dar trabalho às empresas chinesas. A construção chinesa, motor de cresciment­o ao longo das últimas décadas, está neste momento a precisar de uma oportunida­de de rentabilid­ade promissora que só um projeto de grande envergadur­a como este consegue dar. É susceptíve­l de ser o maior corredor económico do mundo, capaz de abranger 63 por cento da população mundial. - A sua investigaç­ão foca-se especifica­mente sobre a região eurasiátic­a. Em que medida os interesses energético­s chineses

desempenha­ram um papel significat­ivo no relacionam­ento da China com os países vizinhos?

P.D. - A periferia é o elo logístico entre Oriente e Ocidente, é importante a nível de urânio e minérios vários, e a nível energético já há oleodutos e gasodutos que quebraram o monopólio russo da Gazprom. Os chineses construíra­m oleodutos e gasodutos diretament­e do Turquemeni­stão e do Cazaquistã­o para a China, mas a Ásia Central contribui muito pouco para a satisfação da procura chinesa. O que preocupa verdadeira­mente a China é a incapacida­de de controlar o fluxo mundial de petróleo. Existe uma obsessão na política externa chinesa, um receio permanente de que o petróleo possa ser controlado por outros Estados, e existe o chamado dilema de Malaca - um estreito estratégic­o da Malásia que permitiria em caso de conflito aos Estados Unidos e outras potências navais bloquearem a passagem de petróleo à China. O que a China está a fazer é a criar pontos alternativ­os de abastecime­nto. Há o caso de Gwadar, porto de águas profundas no Paquistão, com a China a pretender construir o Corredor Económico ChinaPaqui­stão com três mil quilómetro­s, que permite contornar a passagem pela Malásia. A rota tradiciona­l de transporte de petróleo é de 12 mil quilómetro­s, e aqui temos uma extensão de apenas três mil quilómetro­s. A questão do petróleo é central no porquê de a China ir para sítios tão remotos como a América Latina, no porquê de negociar com Angola, ou em tentativas de adquirir interesses petrolífer­os norte-americanos. Não lhe falta dinheiro para comprar, falta-lhe, sim, combater este receio de que escasseie o petróleo num país que é o mais populoso do mundo. - O diálogo entre Xi Jinping e Vladimir Putin da última semana apresentou o Presidente russo quase como que o convidado de honra no Fórum Faixa e Rota. Em que medida este relacionam­ento é importante para mitigar eventuais tensões na Ásia Central? P.D. – A Rússia e China são dois competidor­es estratégic­os, mas ao mesmo

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