Leyla Slama Carimi: “A ideia de Paraíso é central para os jihadistas”
Especialista em questões de terrorismo, Leyla Slama Carimi, que participa desde 2016 num programa de desradicalização de jihadistas, explica as suas motivações e etapas de radicalização.
Há um padrão no processo de radicalização de homens e mulheres ou há especificidades em ambos os casos? Não diria que há um “padrão” porque depende da resposta individual à aproximação do recrutador. Contudo, é possível identificar fases específicas que precedem o momento da “ação” comuns a muitos casos de estudo: 1) fase de identificação (pré-radicalização), caracterizada por uma nova e forte fé religiosa; 2) fase de doutrinação e radicalização; 3) fase de separação e isolamento (da família, amigos e do “velho” estilo de vida). Embora a maioria dos recrutas sejam homens, o número de mulheres tem vindo a crescer em importância. Com base nos resultados da minha investigação, não foi possível identificar uma origem específica para as mulheres jihadistas, atendendo à grande diversidade dos seus perfis. No que respeita aos homens, as principais causas de radicalização foram: raiva e marginalização, imaturidade, desemprego, falta de dinheiro, frustração com a condição económica e social, criminalidade, problemas com a polícia, comportamentos extremos com drogas ou álcool, personalidade fraca ou crise de identidade. No caso do terrorismo islamita, o elemento religioso tem papel importante como fé ou é apenas um instrumento que permite um sentimento de pertença, de relação com um “grupo”? Concordo que o elemento religioso permite um sentimento de pertença para os novos recrutas e desempenha papel importante no recrutamento. Ainda que seja difícil determinar o papel desempenhado pela fé em si, o inegável é que o processo de radicalização cria uma nova identidade e o grupo de mentores e “irmãos” (isto é, os imãs) são a nova família do recruta. Este acaba muitas vezes por rejeitar a família porque esta pertence ao mundo kafir (infiéis); passa muito mais tempo com mentores e na mesquita do que em casa; deixa de andar com os antigos amigos. Mais do que fé, o elemento religioso torna-se uma obsessão e a jihad o sentido da sua vida. A perceção das sociedades europeias pelos islamitas, que as veem como de- cadentes, contribui para a radicalização? Que diferenças na radicalização “em meio europeu” e no Médio Oriente? Há fortes probabilidades que a radicalização em “meio europeu” tenha origem numa relação problemática com os valores e as sociedades ocidentais. A impossibilidade de aderir totalmente ao modelo ocidental ainda que se seja parte (e muitas vezes nascido e criado) numa sociedade ocidental conduz a um problema de identidade que os recrutadores de jihadistas sabem como explorar. Neste sentido, o “processo europeu de radicalização” assenta principalmente numa questão de falta de identificação com a sociedade de acolhimento. O fenómeno no Médio Oriente e no Norte de África resulta das crises políticas que se seguiram às revoluções árabes e o resultante “vazio institucional” nos processos de transição. Grupos extremistas aproveitaram-se da instabilidade política, institucional e económica em muitas regiões para promoverem a sua agenda política no quadro da crise política mais geral (muitas vezes com um conflito de longa duração ou uma guerra civil). Na ausência de um conflito violento, como sucede com as transições não-violentas no Norte de África, a opção pela radicalização e pelo jihadismo constitui para muitos jovens uma alternativa atraente ao desemprego. Alguns terroristas tentaram alistar-se nas forças armadas ou optaram pelo crime. Qual a importância de experiência prévia com violência? A maioria dos casos que analisei revelam que os terroristas têm um passado de violência ou relação com redes criminosas. Na realidade, as prisões são um lugar fértil de recrutamento e radicalização. É também preciso ter em mente que a atividade criminal transnacional é a principal fonte de financiamento do terrorismo. A passagem do crime para a jihad permite a redenção espiritual de “simples criminosos”. Quanto à questão de terroristas terem tentado alistar-se nas forças armadas, não me deparei com nenhum caso, mas o insucesso na entrada em instituições “fortes” pode ajudar a explicar, ainda que de forma parcial, o ódio ao Estado que deixa para trás ou não dá as mesmas oportunidades a todos os cidadãos. Os ataques terroristas quase se tornaram sinónimo de ações suicidas. Qual o sentido desta opção? A cultura de ataques na jihad é um desafio à condenação tradicional de suicídios individuais no islão. Os fundamentalistas interpretam de forma parcial os versículos corânicos em que se afirma que aquele que morre a lutar pelo islão é mártir (Shaheed) e terá direito ao Paraíso. Com base na minha investigação, a ideia de Paraíso e vida após a morte é central nas últimas semanas de vida dos bombistas suicidas. Os amigos contam que nesses últimos dias parecem desprendidos, como se vivessem noutra dimensão, repetindo versículos do Alcorão sobre a vida após a morte. Na perspetiva estratégica dos terroristas, os bombistas suicidas causam destruição e, em geral, grande número de vítimas civis. É uma forma rápida de passar à ação. Não implica treino militar mas, principalmente, a preparação psicológica e espiritual para o suicídio.