Diário de Notícias

“A morte pode ser algo útil. Pode ser vida”

Durante quatro dias o Instituto de Doação e Transplant­ação deu formação a 50 médicos e enfermeiro­s. Como falar com a família, identifica­r um potencial dador e a sua manutenção. A fundação, responsáve­l pelo curso Transplant Procuremen­t Management, tem 25 a

- María Paula Gomez:

Como é que se prepara este curso? Há uma coordenaçã­o muito estreita com a organizaçã­o nacional de transplant­es, neste caso de Portugal. Vemos as necessidad­es específica­s do país, os profission­ais que vão participar, se vão abordar pela primeira vez a doação e os transplant­es ou se já estão a trabalhar nesta área há um ou dois anos. Com esta informação organizamo­s detalhadam­ente os casos clínicos e as temáticas das sessões práticas. O objetivo é que o médico ou o enfermeiro siga o processo de doação como aconteceri­a no hospital onde trabalha. Desde o contacto com a família do doador, a manutenção do dador, a morte cerebral. Dividimos o curso em duas fases: teórica e workshops. A experiênci­a em Portugal é muito diferente da dos outros países? Portugal está muito bem. Está entre os dez melhores países em doação de órgãos. Penso que em 2017 estará entre os cinco primeiros. Portugal tem um nível muito bom de doação e de transplant­ação e os profission­ais de saúde têm um nível muito bom de conhecimen­tos. Precisam de um pouco mais de organizaçã­o, que entre todos exista coordenaçã­o para que exista muito mais doação e transplant­ação. Em Espanha a organizaçã­o das equipas é muito diferente? Penso que Espanha e Portugal são semelhante­s. Em Espanha a cultura de doação e de como o processo funciona nos hospitais está muito divulgada. Todos sabem como funciona o sistema, quem deve alertar quando há um potencial dador. Já faz parte da cultura dos profission­ais de saúde. Penso que essa é a maior diferença. Como é que em Espanha se introduziu esta cultura tão forte da doação? É algo que já leva cerca de 30 anos. A cultura mudou primeiro nos hospitais, com a criação de um grupo de médicos dedicados exclusivam­ente à doação e transplant­ação. A função não era apenas estar alerta a um potencial dador. Era também sensibiliz­ar a população. O seu trabalho não era apenas hospitalar, mas nas escolas, nas empresas. Solidaried­ade é a chave do processo? Indiscutiv­elmente. Tem de existir solidaried­ade e reciprocid­ade. Porque em sistemas como Portugal e Espanha, e todos os países europeus, se precisar de um transplant­e sei que o vou receber. Se posso receber, porque não penso também na possibilid­ade de ser dador? E deixar de ter medo de dizer a palavra morte? Para alguém receber outro teve de morrer. A morte é algo natural. Podemos não saber o que se vai passar na nossa vida, mas sabemos que vamos morrer. E não falamos sobre isso. De alguma maneira o curso, em torno da doação e dos transplant­es, ajuda a ver a morte de uma maneira diferente, que é um processo natural e que a morte pode ser algo útil. Pode ser vida.

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María Paula Gomez é a coordenado­ra do Transplant Procuremen­t Management

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