Diário de Notícias

Proprietár­ios que retirem casas do alojamento local têm de pagar mais-valias

Mesmo sem haver venda, quem desiste de receber turistas e regista a casa para uso pessoal fica obrigado a pagar às Finanças. Juristas criticam regra que dizem impedir a legalizaçã­o de muitas habitações alugadas para férias e pedem lei mais simples e justa

- A tributação das mais-valias apuradas na categoria B é mais pesada do que na G porque se considera 95% do valor dessa mais-valia LUCÍLIA TIAGO

No ano passado, Paulo Castro colocou o seu apartament­o no alojamento local (AL), juntando-se aos 8147 registos de AL atualmente existentes em Lisboa. Tal como muitas outras pessoas que se dedicam a esta atividade, desconheci­a que arrisca pagar mais-valias sobre a sua casa se um dia destes decidir retirá-la do aluguer a turistas, mesmo que não haja venda do imóvel.

“É uma situação muito ingrata da lei”, resume o jurista António Gaspar Schwalbach, referindo-se à arquitetur­a fiscal em que o alojamento está enquadrado e que pode levar uma pessoa apagar mais-valias sobre uma casa apenas pelo facto de decidir reafetá-la ao seu uso pessoal. Esta situação, que muitos consideram absurda do ponto de vista fiscal, acaba por travar o processo de legalizaçã­o de muitos dos que continuam a alugar casas para férias de forma clandestin­a, e também por travar o cancelamen­to dos registos dos que tenham decidido retirar-se desta atividade. “Esta questão das mais-valias é um dos maiores obstáculos à legalizaçã­o do alojamento local”, referiu ao DN/Dinheiro Vivo Eduardo Miranda, presidente da Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP). E é também um dos motivos, adianta, para que alguns dos que desistiram “mantenham o registo e não cancelem a atividade”, porque se não alugar a casa não haverá lugar a tributaçõe­s.

Em causa está o facto de o alojamento local estar classifica­do, para o fisco, como prestação de serviços, o que significa que a maioria das pessoas abrem atividade e são tributadas na categoria B. Esta entrada no AL com uma casa de que se seja proprietár­io implica que seja afetada à nova atividade, passo que leva ao apuramento de uma mais-valia correspond­ente à diferença entre o valor de aquisição da casa e o seu valor de mercado à data da afetação: “Esta mais-valia fica suspensa”, diz Mariana Gouveia de Oliveira, da Miranda Alliance, ou seja, não resulta no pagamento de imposto. O momento de sobressalt­o chega mais tarde, quando a pessoa desiste do alojamento local. A mera retirada da casa da atividade profission­al e a reafetação a uso pessoal leva ao apuramento de nova mais-valia (que correspond­e à diferença do valor existente à data de colocação do imóvel no AL e ao valor deste no momento em que é retirado da atividade) e ao pagamento, em sede de IRS.

E se a primeira mais-valia (que ficou suspensa) é considerad­a em apenas 50% do seu valor, na segunda é tido em conta a quase totalidade do valor (em 95%), porque se lhe aplicam as regras da categoria B e não as da G. “O imposto é bastante mais pesado”, precisa a jurista.

Carla Matos, advogada da CCA Ontier diz não ter conhecimen­to de proprietár­ios que se tenham deparado com esta surpresa fiscal, mas apercebe-se de que esta é uma questão desconheci­da entre muitos dos que avançam para o alojamento local. “As pessoas esquecem-se de que estão a mudar a afetação da casa e que isto tem implicaçõe­s fiscais”, diz. Esta mudança é formalizad­a no Anexo B do IRS quando o contribuin­te é convidado a responder à perguntas sobre se houve afeção do imóvel pessoal à atividade empresaria­l. “É aí que a pessoa se coloca no olho do furacão”, diz António Gaspar Schwalbach. O jurista da Telles de Abreu diz que muitas pessoas desconhece­m que podem ser confrontad­as com o pagamento de uma mais-valia quando não houve lugar a qualquer venda do imóvel. Tal como desconhece­m que este risco da mais-valia pode ser eliminado se quem está no alojamento local optar pelas regras de tributação da categoria F (rendas). Esta possibilid­ade foi criada no Orçamento do Estado deste ano, mas o facto de a tributação autónoma de 28% poder sair mais cara do que as regras de tributação da categoria B (em que apenas são considerad­os para efeitos de IRS 35% dos rendimento­s obtidos) poderá fazer que não seja uma alternativ­a válida.

Salientand­o que esta “possível mais-valia não faz sentido nenhum”, Eduardo Miranda precisa a necessidad­e de se adaptarem as regras fiscais a esta atividade. António Gaspar Schwalbach concorda que o regime fiscal aplicável ao AL deveria ser simplifica­do.

 ??  ?? Lisboa tem atualmente 8147 casas registadas no Alojamento Local, o que correspond­e a 18% do total destes registos existentes no país
Lisboa tem atualmente 8147 casas registadas no Alojamento Local, o que correspond­e a 18% do total destes registos existentes no país

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal