Diário de Notícias

ARQUITETO QUE PENSOU O NOVO BRAÇO DE PRATA QUER PROJETO ACESSÍVEL A TODOS

RENZO PIANO

- MARINA ALMEIDA

A entrevista estava combinada para as 12.30 “hora de Paris” e às 11.30 em ponto, hora de Lisboa, o telefone tocou. Do outro lado estava uma assistente do ateliê, que de imediato passou a chamada a Renzo Piano. O arquiteto italiano surge bem-disposto do outro lado da linha. “Vamos falar em inglês não é? Desculpe não poder falar em português, gostava muito de falar português”, diz o autor do projeto Jardins Braço de Prata, em Marvila, Lisboa. O projeto data de 1999 mas sofreu vários atrasos, 18 anos. A obra avançou e já são visíveis os contornos do pedaço de cidade idealizado pelo arquiteto italiano que assina, com Richard Rogers, o icónico Centro Georges Pompidou, em Paris, e foi Prémio Pritzker em 1998. O empreendim­ento, com uma área de 128 500 metros quadros, está implantado numa área de oito hectares, no local onde funcionou a fábrica de material de guerra. Uma zona industrial que agora ganha novas funções, em relação com o rio Tejo: habitação, comércio e restauraçã­o. A ideia, diz Piano, que trabalhou com os portuguese­s da CPU, é criar uma pequena cidade a partir da malha urbana existente, que se desenvolve em torno de uma praça central. Os primeiros 30 apartament­os de um total de 499 estão à venda. Custam entre 550 mil (T2 com 151 metros quadrados) e 2,5 milhões de euros (T5+1 duplex com 524 metros quadrados). Estão quase todos vendidos, segundo o site de uma das empresas que estão a comerciali­zar o empreendim­ento. O arquiteto não comenta o facto de este ser um bairro de luxo, preferindo realçar a ideia de local de encontro e novo destino da capital, com restaurant­es, bares e lojas na frente de rio. Em breve, Renzo Piano voltará a Lisboa. A cidade que “adora” e onde não se importava de morar “num pequeno apartament­o”, quando se reformar. Para já, quase com 80 anos (completa-os em setembro), gere um ateliê com 150 colaborado­res, três polos (Paris, Nova Iorque e Génova) com projetos em todo o mundo, o Renzo Piano Building Workshop. O projeto de Braço de Prata está finalmente em construção, 18 anos depois do projeto inicial... [o arquiteto interrompe com uma gargalhada] É verdade, it’s ok. Sabe que o que acontece é que esses projetos, imsas portantes para as cidades, urbanos e com escala, demoram sempre muito tempo. E de certa forma não é assim tão mau, porque se fores muito depressa podes fazer mais disparates [risos]. Foi o presidente da Câmara de Lisboa João Soares, ele veio com o Eduardo, foi no início, há muito tempo. Sim deve ter razão, 18 anos, porque o meu filho mais novo tem 18 anos e, na altura, ele tinha acabado de nascer. O projeto Braço de Prata tem a mesma idade do meu filho. Mas há sempre longas histórias, quando fazes um edifício numa situação complexa, com relevância urbana... a primeira vez que fui a Braço de Prata foi enquanto estudante e a fábrica [de material de guerra] estava lá, fechada e toda esta zona do rio era industrial. Essa transforma­ção demora tempo, a mudança das cidades demora tempo. Mas agora as coi- estão a avançar e espero que em poucos anos tenhamos o trabalho completo. Fez alguma alteração ao desenho inicial? É essencialm­ente o mesmo. Desde o princípio que era uma rua que descia este/oeste a colina desde a estação de comboios até ao Tejo. Desde o início foi o conceito de uma pequena cidade com ruas, com uma praça no centro. Claro que fizemos algumas alterações. Por exemplo, no princípio havia o plano de ter o elétrico a atravessar mas agora já não temos. Essencialm­ente o projeto continua o mesmo e também os materiais. Uma das coisas mais bonitas de Lisboa, que é uma das minhas cidades preferidas do mundo, além do rio, do mar, das colinas, são os materiais, as cerâmicas, os azulejos, que dão aos edifícios uma essência especial, um brilho

especial, há uma vida na pele cerâmica. Desde o início quisemos usar não os azulejos tradiciona­is mas cerâmica, para ter este sentimento brilhante quando se anda na rua, quando nos deslocamos. A orientação do espaço é muito boa porque as ruas desenvolve­m-se este/oeste, de manhã têm o sol de um lado, à tarde do outro, há um interessan­te jogo de luz... Bem, essencialm­ente, o esquema é o mesmo de há 18 anos, tivemos alguns problemas, mas temos de ser pacientes. Em arquitetur­a temos de esperar.

A escultura de José de Guimarães [Lisboa – Aos Construtor­es da Cidade, 1999] vai ser absorvida pelo projeto, deixa de ser uma rotunda como até agora. Será uma espécie de porta de entrada desta pequena cidade que está nascer em Braço de Prata? Sim, é verdade que vai ficar no mesmo sítio. Sabe que eu conheci o artista e conversámo­s. A obra de arte fica lá mas já não temos a rotunda. É uma alegre obra de arte e deve ficar, faz parte do ambiente do lugar. Isso foi também decidido logo no início, provavelme­nte há uns 16 anos. Espero que possamos ter mais obras de arte no projeto, porque temos uma praça e vamos manter parte do edifício da Tabaqueira, vamos manter uma parte da memória do sítio. E é importante que a memória seja essencialm­ente o ritmo das ruas porque é o mesmo que tínhamos antes com a fábrica, com a fábrica de Braço de Prata, por isso vai ser a continuida­de. Outra coisa são as árvores, trabalhámo­s muito com a cidade de Lisboa esta questão. Foi um belo trabalho, mesmo com o arquiteto encarregad­o da cidade... pode ajudar-me com o nome...? O arquiteto Manuel Salgado, vereador do urbanismo? Exatamente! Conheci-o em Lisboa, encontramo-nos de tempos a tempos, é uma colaboraçã­o muito boa. Acho que Braço de Prata vai ser outra boa aquisição para a cidade... Veio muito a Lisboa nos últimos 18 anos? Quando foi a última vez? Estive aí no ano passado e devo voltar em breve. Eu vivo em Paris, mas tenho um escritório em Nova Iorque, por isso viajo muito. Adoro Lisboa. Estive em Lisboa provavelme­nte há seis/nove meses, algo assim. Lisboa é um dos meus destinos. É uma cidade de água, claro, mas a vantagem é que tem água salgada de um lado, mas quando subimos o Tejo encontramo­s água fresca [risos]. É um sítio fantástico, dos poucos em que conseguimo­s ver a cidade em bird view [olho de pássaro], das colinas. Poucas cidades têm sítios assim. Até em Braço de Prata, não é alto mas subimos a colina e quando olhamos para baixo estamos acima do nível da água, e é muito interessan­te. No projeto, usámos materiais como por exemplo o lioz, pedra, para os pavimentos das ruas. Acho que isso também vai dar um carácter especial ao local. Uma vez que gosta tanto de Lisboa, não gostaria de viver no centro da cidade ou mesmo em Braço de Prata, por exemplo? Claro que sim. Eu digo a toda a gente que um dia quando isto acabar gostava de ter um pequeno apartament­o aí. Sabe, eu adoro o mar, sou um marinheiro, enfim sou arquiteto mas os tempos livres passo-os todos no barco... mas tem muita razão, é uma ótima ideia, os arquitetos devem amar os locais onde constroem. Quando estive aí da última vez subi ao primeiro edifício [construído no empreendim­ento] e penso que o ritmo e a localizaçã­o são fantástico­s. As pessoas vão adorar viver ali, de certeza. Sabe que vai ser um condomínio de luxo, as casas são muito caras.Tem essa noção? Eu não sei exatamente os preços, compreende que não é a minha parte do trabalho. Mas espero que tenhamos um pouco de tudo. Talvez os apartament­os maiores sejam mais caros, mas também espero que surja uma mistura de pessoas, que não seja só para pessoas especiais. E tem as lojas nos pisos térreos e os restaurant­es e a atividade junto ao rio, esse mix de funções, de níveis económicos que são essenciais para criar um bom recurso urbano. Creio que vai ser o caso, não vai ser só para algumas pessoas. É esse o espírito com que o projeto foi feito: ser um mix e tornar-se um destino. Além disso, temos a frente de rio, que é grande, com restaurant­es, bares, atividades. E também temos uma piazza [praça] no interior, que acho que vai ser muito agradável. Sabe, tudo sai da praça. Quando fazemos um projeto destes temos de começar numa praça. Se observar os planos de corte do projeto, vê que os telhados têm um ângulo tal que quando estamos na rua recebemos a luz. Essas superfície­s são feitas de material cerâmico, são brilhantes, e vão ter um tom azulado. E tem um mercado coberto no antigo edifício da Tabaqueira? Sim, o edifício da Tabaqueira deverá ser usado para criar uma praça especial. Movemos alguns elementos do anterior edifício da Tabaqueira para criar um mercado. Um mercado é um elemento muito interessan­te, é muito urbano. É uma parte da centralida­de do projeto. Com a praça, são os elementos centrais, e é disso que precisamos para criar um espaço urbano, de sítios onde as pessoas se encontrem e fiquem juntas. É esse o espírito do esquema. Em que está a trabalhar agora? Estou a trabalhar em muitas coisas. Em Paris terminou a construção do novo tribunal, está quase construído, na Porte de Clichy. É muito importante em Paris construir edifícios públicos na periferia. E temos também a École Normale Supérieure, que é uma grande universida­de, a sul da cidade. Em Nova Iorque estamos a construir o novo campus da Universida­de de Columbia, no Harlem. Estamos a fazer o edifício da Academia de Hollywood, a academia de cinema no centro de Los Angeles. Estamos a desenhar um hospital no Uganda, junto ao Lago Victoria, é um projeto muito interessan­te. Estamos também a fazer um museu em Istambul, junto ao Bósforo, um prédio em Viena, estamos a construir uma escola na China, em Shenzhen. Não é mau... Tem várias cidades do mundo na sua cabeça .... Não... sim.. [risos] mas devo dizer que adoro Lisboa e que estou muito contente que Braço de Prata se torne uma realidade.

“Adoro Lisboa. É um sítio fantástico. É um dos poucos onde conseguimo­s ver a cidade em

bird view” “Os azulejos dão aos edifícios de Lisboa uma essência especial, um brilho especial. Há uma vida na pele cerâmica”

 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal