Wolfgang Münchau, Fernanda Câncio e Ferreira Fernandes
Aqueda do Muro de Berlim mudou a história da Europa, tal como aconteceu com o referendo do brexit no ano passado. As eleições gerais da semana passada no Reino Unido pertencem a uma categoria diferente: a das coisas que brilham muito na escuridão de uma noite de eleições, mas desaparecem com a luz crua da manhã seguinte. A verdade é que as eleições são importantes para a política doméstica e para Theresa May. Mas são quase inteiramente irrelevantes para o brexit.
Grande parte dos comentários que li nos últimos dois dias negligencia três pontos fundamentais.
O primeiro é que o brexit, duro ou suave, não é uma decisão apenas do Reino Unido. A verdade é que nem sequer é maioritariamente uma decisão do Reino Unido. O segundo ponto é que o processo do brexit é conduzido pelos procedimentos legais da União Europeia, independentemente de os comentadores pensarem que um primeiro-ministro do Reino Unido tem ou não um mandato. E, finalmente, de uma perspetiva europeia, não importa se o Reino Unido tem um governo minoritário, uma coligação ou um partido governante com uma maioria de cem lugares. Angela Merkel, a chanceler alemã, nunca conseguiu um resultado tão bom como a Sra. May obteve na semana passada.
O brexit ainda pode ser parado? Para que isso acontecesse, teria de ocorrer uma sequência improvável de acontecimentos nos próximos 18 meses e essa sequência de acontecimentos teria de estar na ordem correta: novas eleições ganhas por um partido que fizesse explicitamente campanha a favor de um segundo referendo, seguidas de uma vitória dos partidários da permanência nessa consulta.
Ambas as coisas são improváveis. Mas, mesmo assim, a reversão do artigo 50.º não ocorreria automaticamente. Pode até não ser legalmente possível.
Mesmo no caso improvável de o Tribunal de Justiça da União Europeia emitir uma opinião sobre esta questão, a decisão final não cabe ao Parlamento britânico, mas ao Conselho Europeu, que é motivado pelo seu próprio interesse.
E no entanto, se o brexit não pode ser tecnicamente revertido, poderia ser materialmente alterado ou suavizado?
Também não vejo como isso podia ser possível, exceto através de um período de transição mais longo. A carta da Sra. May a desencadear o artigo 50.º estabelecia duas condições claras: a não pertença à união aduaneira e a não pertença ao mercado único.
O que muito poucos partidários britânicos da permanência na União Europeia parecem perceber é que a União favorece um brexit sem adesão ao mercado único e à união aduaneira, porque torna mais fácil um processo de negociação difícil. Os graus de dureza e suavidade não são escolhas unilaterais a serem tomadas pelo eleitorado do Reino Unido.
Tenho vindo a defender que o Reino Unido deveria – e provavelmente fá-lo-á – procurar um acordo de transição suficientemente longo. Seria sensato continuar a ser membro do mercado único e da união aduaneira durante esse período, simplesmente para conseguir algum tempo para o dilúvio de mudanças legislativas e técnicas que o brexit exige e para um acordo comercial bilateral a ser alcançado com a União Europeia.
Um longo período de transição é a única maneira de atenuar o conflito sobre a conta de saída. O Reino Unido continuaria simplesmente a contribuir para o orçamento da União Europeia durante esse mesmo período.
Se as eleições do Reino Unido acabarem por ter algum impacto, será sobre a duração e sobre a natureza desse acordo de transição, mas não propriamente sobre o processo do brexit.
Mesmo uma vitória esmagadora da Sra. May teria resultado num período de transição mais longo do que o anteriormente admitido pelo governo, por razões técnicas. A primeira-ministra não optaria nunca por um brexit brusco, porque as consequências económicas e políticas teriam sido muito pesadas. Isso teria sido irresponsável. Vimos na semana passada como as sortes políticas podem virar rapidamente. Um período de transição teria sido necessário em qualquer cenário.
Portanto, a única conclusão que eu posso tirar é que as eleições não mudaram absolutamente nada para o brexit.
Se as eleições do Reino Unido tiverem algum impacto, será sobre a duração e a natureza desse acordo de transição, não propriamente sobre o processo do brexit O quadro legal para a saída do Reino Unido da União Europeia não precisa de mais legislação