Diário de Notícias

Wolfgang Münchau, Fernanda Câncio e Ferreira Fernandes

- POR WOLFGANG MÜNCHAU © 2017 The Financial Times Limited

Aqueda do Muro de Berlim mudou a história da Europa, tal como aconteceu com o referendo do brexit no ano passado. As eleições gerais da semana passada no Reino Unido pertencem a uma categoria diferente: a das coisas que brilham muito na escuridão de uma noite de eleições, mas desaparece­m com a luz crua da manhã seguinte. A verdade é que as eleições são importante­s para a política doméstica e para Theresa May. Mas são quase inteiramen­te irrelevant­es para o brexit.

Grande parte dos comentário­s que li nos últimos dois dias negligenci­a três pontos fundamenta­is.

O primeiro é que o brexit, duro ou suave, não é uma decisão apenas do Reino Unido. A verdade é que nem sequer é maioritari­amente uma decisão do Reino Unido. O segundo ponto é que o processo do brexit é conduzido pelos procedimen­tos legais da União Europeia, independen­temente de os comentador­es pensarem que um primeiro-ministro do Reino Unido tem ou não um mandato. E, finalmente, de uma perspetiva europeia, não importa se o Reino Unido tem um governo minoritári­o, uma coligação ou um partido governante com uma maioria de cem lugares. Angela Merkel, a chanceler alemã, nunca conseguiu um resultado tão bom como a Sra. May obteve na semana passada.

O brexit ainda pode ser parado? Para que isso acontecess­e, teria de ocorrer uma sequência improvável de acontecime­ntos nos próximos 18 meses e essa sequência de acontecime­ntos teria de estar na ordem correta: novas eleições ganhas por um partido que fizesse explicitam­ente campanha a favor de um segundo referendo, seguidas de uma vitória dos partidário­s da permanênci­a nessa consulta.

Ambas as coisas são improvávei­s. Mas, mesmo assim, a reversão do artigo 50.º não ocorreria automatica­mente. Pode até não ser legalmente possível.

Mesmo no caso improvável de o Tribunal de Justiça da União Europeia emitir uma opinião sobre esta questão, a decisão final não cabe ao Parlamento britânico, mas ao Conselho Europeu, que é motivado pelo seu próprio interesse.

E no entanto, se o brexit não pode ser tecnicamen­te revertido, poderia ser materialme­nte alterado ou suavizado?

Também não vejo como isso podia ser possível, exceto através de um período de transição mais longo. A carta da Sra. May a desencadea­r o artigo 50.º estabeleci­a duas condições claras: a não pertença à união aduaneira e a não pertença ao mercado único.

O que muito poucos partidário­s britânicos da permanênci­a na União Europeia parecem perceber é que a União favorece um brexit sem adesão ao mercado único e à união aduaneira, porque torna mais fácil um processo de negociação difícil. Os graus de dureza e suavidade não são escolhas unilaterai­s a serem tomadas pelo eleitorado do Reino Unido.

Tenho vindo a defender que o Reino Unido deveria – e provavelme­nte fá-lo-á – procurar um acordo de transição suficiente­mente longo. Seria sensato continuar a ser membro do mercado único e da união aduaneira durante esse período, simplesmen­te para conseguir algum tempo para o dilúvio de mudanças legislativ­as e técnicas que o brexit exige e para um acordo comercial bilateral a ser alcançado com a União Europeia.

Um longo período de transição é a única maneira de atenuar o conflito sobre a conta de saída. O Reino Unido continuari­a simplesmen­te a contribuir para o orçamento da União Europeia durante esse mesmo período.

Se as eleições do Reino Unido acabarem por ter algum impacto, será sobre a duração e sobre a natureza desse acordo de transição, mas não propriamen­te sobre o processo do brexit.

Mesmo uma vitória esmagadora da Sra. May teria resultado num período de transição mais longo do que o anteriorme­nte admitido pelo governo, por razões técnicas. A primeira-ministra não optaria nunca por um brexit brusco, porque as consequênc­ias económicas e políticas teriam sido muito pesadas. Isso teria sido irresponsá­vel. Vimos na semana passada como as sortes políticas podem virar rapidament­e. Um período de transição teria sido necessário em qualquer cenário.

Portanto, a única conclusão que eu posso tirar é que as eleições não mudaram absolutame­nte nada para o brexit.

Se as eleições do Reino Unido tiverem algum impacto, será sobre a duração e a natureza desse acordo de transição, não propriamen­te sobre o processo do brexit O quadro legal para a saída do Reino Unido da União Europeia não precisa de mais legislação

 ??  ?? Theresa May perdeu a maioria absoluta nas eleições britânicas da última semana, mas manter-se-á como primeira-ministra
Theresa May perdeu a maioria absoluta nas eleições britânicas da última semana, mas manter-se-á como primeira-ministra
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal