“É como se houvesse duas sociedades completamente separadas. Como se os negros dissessem: não nos querem com eles, vamos fazer a nossa cena”
Professora de Biologia no secundário, no agrupamento de escolas Filipa de Lencastre, em Lisboa, Beatriz, 46 anos, é a única docente negra da sua escola. Alunos negros tem poucos; o ano passado três, este ano só uma. “É um agrupamento do centro, associado à classe média, e há uma segregação territorial e social muito marcada entre negros e brancos.” Em todo o caso, nota alguns progressos em relação ao seu tempo de estudante: “Os alunos negros parecem-me mais bem integrados. Esta que tenho este ano, apesar de ser única na turma, participa bastante, não se inibe, defende muito bem os pontos de vista dela.” Ao contrário de Beatriz nessa altura da vida. “Olhando para trás vejo uma rapariga muito tímida. Queria passar despercebida, misturar-me, não chamar a atenção para o ser negra. Talvez porque estava sempre em minoria: vivia no centro da cidade, porque o meu pai, médico, quis escolher um contexto em que nos habituássemos ao discurso da maioria. Esteve ligado aos movimentos de libertação na Guiné e tinha uma reflexão sobre o colonialismo, uma forma combativa de olhar para a sociedade portuguesa que passou para mim e para os meus irmãos. Só a recuperei depois de adulta.”
Ainda assim, vê uma diferença fundamental entre ela e os pais: “Era-lhes reconhecida nacionalidade portuguesa por terem nascido numa colónia e vindo para Portugal antes do 25 de Abril. Mas na verdade não se sentem