Diário de Notícias

Portugal ignora discrimina­ção específica de negros

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INÉRCIA. A década dos afrodescen­dentes, decretada pela ONU de 2015 a 2024, não teve até agora acolhiment­o pelo Estado Português. Partindo do reconhecim­ento de “que as pessoas de ascendênci­a africana representa­m um grupo distinto cujos direitos humanos devem ser promovidos e protegidos”, a iniciativa pressupõe que cada país assuma a década e anuncie medidas.

Entre as recomendaç­ões da ONU está a revisão dos livros de história, a organizaçã­o de conferênci­as, a criação de memoriais, assim como a recolha de dados estatístic­os sobre este grupo com o fim de “monitoriza­r a situação dos afrodescen­dentes e o progresso efetuado, aumentar a sua visibilida­de e identifica­r problemas.” Esta recolha, que já constava do programa de ação da Conferênci­a Mundial contra o Racismo, Discrimina­ção Racial e Xenofobia, de 2001, deve, diz a ONU, “ser usada para informar a formulação de políticas e ações para prevenir e erradicar o racismo.” Algo que Portugal nunca fez, invocando interdição constituci­onal, mesmo se admite que esta não impede a recolha de dados por autodeclar­ação (como sucede com a identidade religiosa nos Censos).

De resto, o último relatório periódico do país ao Comité da ONU para a Eliminação da Discrimina­ção Racial, apresentad­o em setembro de 2015 (no fim do governo Passos), recusa a necessidad­e de medidas específica­s para os afrodescen­dentes, mesmo se descreve políticas específica­s para imigrantes (95% do relatório) e para a comunidade cigana. “Não há medidas especiais ou discrimina­ções positivas relacionad­as com os afrodescen­dentes. As pessoas de ascendênci­a africana beneficiam, como qualquer outra pessoa em Portugal, de medidas e políticas destinadas a combater o racismo e a promover a integração”, lê-se no documento.

Esta afirmação mereceu em dezembro de 2016 um vigoroso protesto assinado por 22 associaçõe­s representa­ntes de afrodescen­dentes, numa carta aberta dirigida à ONU. Nesta denuncia-se a ausência de reconhecim­ento da “especifici­dade e gravidade” do “racismo e exclusão social de que os afrodescen­dentes negros são alvo” no país, reivindica­ndo-se “um plano estratégic­o especifica­mente orientado para os afrodescen­dentes negros”, insistindo na necessidad­e de “recolha de dados com base na pertença étnico racial, recomendad­a pela ONU.”

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