Não é preciso um Bond – só alguém de confiança
Alguma coisa mudou depois da polémica em torno da indigitação (seguida de renúncia) do embaixador Pereira Gomes para secretário-geral das “secretas” portuguesas? Sim, sem sombra de dúvida. A próxima personalidade que o primeiro-ministro escolher terá todo o seu percurso profissional escrutinado detalhadamente antes de o seu nome ser publicamente anunciado. E, depois do “caso Pereira Gomes”, uma parte importante nesse escrutínio – porventura até o mais importante – será a de averiguar se a personalidade escolhida tem ou não, pelo seu percurso de vida, condições para inspirar confiança aos seus futuros subordinados (e, por isso, para exercer o mandato com autoridade incontestável).
Foi isso que aliás Ana Gomes disse ao DN – e que fez depois o caso desenvolver-se da forma conhecida. Não se pede que o SG-SIRP seja um James Bond. Mas convém que não JOÃO PEDRO HENRIQUES haja a mínima sombra de dúvida sobre a sua capacidade de manter o sangue-frio em condições de grande pressão. Não se trata só de currículo; trata-se daquilo que Ana Gomes definiu – e bem – como “perfil psicológico”.
É claro que um chefe (ou uma chefe) com o perfil psicológico adequado não é tudo o que basta para as “secretas” funcionarem bem. É preciso mais – orçamento, por exemplo, que parece que escasseia, segundo se queixam os atuais dirigentes, começando pelo ainda secretário-geral, o procurador do MP Júlio Pereira. Mas o que acontece é que, sem um líder que inspire confiança/autoridade, não há garantidamente nenhuma organização que funcione bem, por mais simpático que seja o orçamento. Outra coisa que daria muito jeito no futuro chefe das “secretas” seria um profundo amor à lei. Sei bem que a atividade dos serviços de informações pode impor, às vezes, que se arredondem umas esquinas legais para ter acesso a intelligence de qualidade (e o espaço comunitário em que Portugal está inserido exige isso). Mas convém um mínimo de critério: que isso se faça para seguir alguém suspeito de ligações ao terrorismo, tudo bem; mas que isso se faça para, por exemplo (como aconteceu), apurar as fontes de um jornalista que andava a escrever coisas incómodas para os serviços – então tudo mal. E isto não é corporativismo; é só gestão de esforço. Gastar energias onde vale a pena; não gastar onde não vale a pena. Recordo que vem aí uma lei que dará às “secretas” um poder legal que atualmente não tem, o de acesso a dados de comunicação pessoais. Não acreditando, pessoalmente, na fiscalização parlamentar a que têm estado sujeitas – os últimos anos provam-no à saciedade – , defendo que, assim, é primordial que o primeiro muro contra a ilegalidade seja erguido dentro dos serviços. O futuro chefe tem de inspirar confiança aos seus subordinados; mas também, e talvez acima de tudo, ao país.