Aprender sem barreiras e com tablet no Alentejo
No Alentejo está a nascer uma nova geração de escolas. No agrupamento desta cidade, duas turmas aprendem a matéria através de projetos interdisciplinares. Cumprem o programa mas de forma diferente. Estão no 5.º ano e começaram a trabalhar desta forma no 3
Daniel, de tablet na mão, apresenta os cuquedos dos colegas, desenhos expostos na parede da sala do 5.º D. Mas quando se aponta a câmara do aparelho para o medo, surge um vídeo com o poema que cada um fez sobre o que mais o assusta. A completar o trabalho há uma máquina – um aspirador com uma varinha mágica – que transforma os medos em cores. Noutra sala, a máquina é uma ventoinha, ligada a um telemóvel, uns fones e um funil, que põem os meninos a portarem-se bem, evitando que o professor se zangue. O processo é explicado num vídeo criado pelos alunos do grupo interdisciplinar.
Com este projeto, os alunos trabalharam o texto poético da disciplina de Português, as várias técnicas de desenho, pintura e recorte de Educação Visual, a construção de um objeto de Tecnológica, e usaram as várias aplicações do tablet – um patrocínio da Samsung – para os vídeos e slideshow, inseridas na disciplina de Programação. Noutra turma, os alunos já estavam a fazer um projeto que juntava Ciências e Educação Visual e Tecnológica.
É coordenando as várias disciplinas que estes alunos aprendem a mesma matéria dos colegas do 5.º ano no Agrupamento de Escolas de Vendas Novas. A escola começou no ano letivo 2014-2015 a aplicar o projeto Comunidades Escolares de Aprendizagem Gulbenkian XXI, patrocinado pela Fundação Gulbenkian, com a coordenação de uma equipa da Universidade de Évora. Nesse ano foram escolhidas duas turmas do 3.º ano de escolaridade. Turmas que já estavam definidas pela escola e que incluem alunos com necessidades Eeducativas especiais (NEE). Dois anos depois do início do projeto, voltou quase tudo à estaca zero porque mudaram de escola e ciclo de ensino. “Foi um ano de aprendizagem, mas achamos que no próximo vamos conseguir fazer ainda mais”, garante o diretor das duas turmas, Luís Conceição, que é o professor de Português e Inglês.
Durante o ano, este grupo de alunos tem “uma gestão curricular mais aberta, em que é mais vincada a resolução de problemas e a realização de projetos”, explica a diretora do agrupamento, Olga Duarte. O que levou os professores a seguirem mais o plano das duas turmas do que a planificação feita pelos colegas da mesma disciplina. “Por exemplo, não dei Geometria. Achei que não estavam preparados para dar como estava no programa e a geometria foi aparecendo no dia-a-dia, mas não da forma que estava planeada. Agora já estou pronta para dar o que eles querem saber e não o que tinha preparado”, afirma a professora de Educação Visual Ana Bela Carapinha.
A professora de 52 anos é uma das mais entusiasmadas com o projeto. “No ano passado estava desesperada. Depois de uns anos sem dar aulas – por estar na direção –, voltei às salas e não me senti bem, não estava satisfeita com o trabalho que tinha feito. Este ano chego ao fim cansada mas feliz.” Antes do final ano o grupo de docentes vai reunir-se para preparar o 6.º ano. “Não há dúvidas de que estes professores reuniram-se muito mais do que os outros. É preciso muito tempo para a preparação”, aponta Odete Teodoro, vice-presidente do agrupamento e responsável pela ligação com os parceiros do projeto.
Uma das diferença destes alunos para os restantes é a aula de Programação e o facto de poderem recorrer a um tablet para desempenhar as tarefas. Os equipamentos são cedidos à escola, mas estão alocados a um aluno específico, que até pode levar o aparelho para casa. “Em três anos só tivemos um vidro rachado”, sublinha Luís Conceição, para demonstrar o cuidado dos alunos.
“Eles encaram a tecnologia como um manual. É um instrumento de aprendizagem e eles levam muito a sério as tarefas”, descreve Ana Bela Carapinha. Em breve, vão poder aprender a programar para Android, pelo menos assim espera a docente Ruth Braga. “Estamos a introduzir o conceito de criador e não apenas de utilizador. Neste primeiro ano quisemos ensinar a pensar em termos de programação. Eles percebem que podem criar e usar isso para outras disciplinas.”
Com notas acima da média, outro traço que os professores notam e que salta à vista de quem fala com estes alunos é a a segurança e o à-vontade com que falam e contornam obstáculos. Como por exemplo quando o vídeo descreve a fase de “cortagens” e a professora Ana Bela diz que é a fase de corte, Tomás não se intimida, vai ao programa e muda rapidamente a palavra na apresentação final.
Convencer os pais foi fácil. “Fizeram-se reuniões com os pais, a equipa do projeto, explicámos os riscos e vantagens deste projeto. Fizeram-se também formações para pais e alunos sobre segurança na internet”, enumera Olga Duarte. A experiência tem sido tão positiva que toda a escola aderiu ao projeto-piloto de autonomia e flexibilização do currículo do Ministério da Educação, que vai avançar nos 7.º anos.
Do lado de quem supervisiona o projeto, uma das mais-valias é a formação emocional que estas crianças tiveram no primeiro ciclo. “Quando chegaram ao fim do 4.º ano, estes alunos tinham uma bagagem e vinham preparados para ser alunos críticos, exigentes e que pediam qualquer coisa mais. Tiveram treinos de competências socioemocionais e de brainstorming”, diz Adelinda Candeias, da Universidade de Évora.
Para os professores, fica a noção de que nunca mais vão ser os mesmos: “Começaram a abrir-se as portas das salas de aula. Eu vou à do Luís e ele vem à minha”, elogia Ana Bela Carapinha. Amanhã leia a reportagem sobre a escola EPI, escola profissional que é uma referência na área