Diário de Notícias

Secretas: PGR e juízes mudaram de opinião sobre metadados

Lei. Em 2015, procurador­a-geral foi clara ao dizer que medida era inconstitu­cional. O mesmo referiu o Conselho Superior da Magistratu­ra. Agora, ambos admitem que isso possa avançar

- CARLOS RODRIGUES LIMA

A Constituiç­ão da República ainda é a mesma, o assunto também: a possibilid­ade de os serviços de informaçõe­s terem acesso aos chamados metadados das comunicaçõ­es (faturação detalhada, localizaçã­o celular). Porém, no espaço de quase dois anos, a procurador­a-geral da República, Joana Marques Vidal, o Conselho Superior da Magistratu­ra e a Comissão de Fiscalizaç­ão de Dados do Sistema de Informaçõe­s mudaram de opinião: o que era inconstitu­cional, afinal pode não ser.

Chamada a dar parecer sobre a Proposta de Lei n.º 345/XII, da autoria do anterior governo, que já previa o acesso dos serviços de informaçõe­s (SIS e SIED) a dados das comunicaçõ­es, o gabinete de Joana Marques Vidal foi taxativo: “A norma proposta, na parte em que abrange o acesso a dados de tráfego, de localizaçã­o ou de outros conexos das comunicaçõ­es, necessário­s para identifica­r o assinante ou utilizador ou para encontrar a fonte, destino, data, hora, duração e tipo de comunicaçã­o, é inconstitu­cional.” E isto porque o art. 34.º , n.º 4 da Constituiç­ão refere: “É proibida toda a ingerência das autoridade­s públicas na correspond­ência, nas telecomuni­cações e nos demais meios de comunicaçã­o, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal.” No fundo, e isto tem sido o entendimen­to até agora, a Constituiç­ão só permite o acesso a dados das comunicaçõ­es num inquérito-crime, devidament­e escrutinad­o pelo arguido. O que em 2015 se pretendia e também agora é dar acesso aos serviços de informaçõe­s, fora de um processo criminal, mas com o controlo de juízes do Supremo Tribunal de Justiça.

Dois anos depois, e com um chumbo do Constituci­onal à iniciativa de 2015, com dois votos de vencido, a Procurador­ia diz agora em relação à proposta de lei do atual governo que o “elemento literal” da Constituiç­ão “não poderá ser erigido como única fonte interpreta­tiva”. Devendo ainda, refere o gabinete de Joana Marques Vidal, “relevar-se a circunstân­cia de que o regime proposto de acesso” em 2017 pelas secretas aos metadados “se restringe à sua atividade de prevenção de atos potencialm­ente conformado­res de ilícitos criminais, que poderão, com forte probabilid­ade, determinar a intervençã­o estadual em sede de repressão para defesa da segurança coletiva”.

Também o Conselho Superior da Magistratu­ra, em 2015, era claro ao rejeitar a hipótese atual e novamente em discussão: “A proposta de lei possibilit­a que a ingerência nos bens jurídicos tutelados constituci­onalmente possa ter lugar fora de um processo penal, o que nos parece postergar o comando constituci­onal ínsito no artigo 34.º.” No que diz respeito à proposta de lei do governo de António Costa, o órgão de gestão e disciplina dos juízes fez, num primeiro momento, chegar ao Parlamento um documento intitulado “Parecer”, chumbando a iniciativa, tal como aconteceu em 2015. Porém (ver DN de 19 de maio), o CSM acabaria por dizer que tal não era um “parecer” mas sim “um documento de trabalho” que “por lapso” foi enviado para a Assembleia da República.

Há uma semana, o Conselho enviou o tal parecer oficial (uma folha) dizendo apenas que concordava com a intervençã­o do Supremo Tribunal na fiscalizaç­ão do acesso. Sobre a constituci­onalidade da medida, desta vez o CSM preferiu não dizer nada.

Também a Comissão de Fiscalizaç­ão dos Dados, composta por três procurador­es, entre os quais o vice-procurador da República, parece navegar na indefiniçã­o. Há ano e meio manifestou dúvidas se este regime de acesso poderia passar pelo “crivo de ingerência nas telecomuni­cações”. Se assim fosse, tal, afirmou, carecia de “ser autorizado por um juiz no âmbito de um processo criminal”. Desta vez, os procurador­es já admitem o acesso, uma vez que não se trata, afirmaram, “de recolha de informação em larga escala, mas de recolha caso a caso, com menor incidência na proteção da reserva da vida privada”. Coerente tem sido a Comissão Nacional de Proteção de Dados: o acesso é inconstitu­cional.

“Entendemos que a norma, na parte em que abrange o acesso a dados de tráfego, localizaçã­o ou outros conexos, é inconstitu­cional”

PROCURADOR­A-GERAL DA REPÚBLICA

JULHO 2015 “O elemento literal não poderá ser erigido como a única fonte interpreta­tiva, quando está em causa um equilíbrio entre direitos”

PROCURADOR­A-GERAL DA REPÚBLICA

JUNHO 2017

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