As avozinhas que dão voz à América Latina
Susana Baca, do Peru, e Adriana Varela, da Argentina. Ambas garantem vozes às festas de Lisboa, com 48 horas de intervalo
JOÃO GOBERN Nenhuma delas é precoce, já que começaram ambas a gravar quando andavam perto dos 40 anos. Mas nenhuma delas se esvai com a passagem das modas, porque assentaram praça em canções que são transversais ao tempo: Susana Baca, recém-chegada aos 73 anos, costuma ser apontada como a grande responsável pela revitalização e pela conservação da música peruana de influências africanas, um segmento muito particular que a levou – juntamente com o marido, o sociólogo Ricardo Pereira – a assumir pessoalmente recolhas, digressões, estudos e o ensino dessa tradição que ameaçava perder-se. Já AdrianaVarela, agora com 65 anos, demorou a tornar público o seu talento que se espraia pelo tango, numa abordagem que ultrapassa os purismos formais e se relaciona primordialmente com a essência e a alma de uma música que, a par das mais verdadeiras, não conhece fim. Apesar do panorama de espetáculos latinos entre nós estar longe do satisfatório, quis a coincidência (ou melhor: um minifestival chamado Soy Loco Por Ti, América, que também inclui a cubana Yilian Cañizares, a 16, e o brasileiro Chico César, a 18) que quase se juntassem em palco estas duas mulheres de percursos longos e imaculados, capazes de exemplificar a diversidade, sem perda, das músicas da América Latina, independentemente das latitudes.
Susana Baca já ganhou dois Grammies latinos, foi ministra da Cultura do seu país – de julho de 2010 a dezembro de 2011 – e acabou por dever boa parte do reconhecimento internacional à iniciativa da editora discográfica Luaka Bop, selo que pertence a David Byrne, que começou por publicar uma coletânea intitulada El Alma del Perú Negro, em que uma das cantoras – e, já agora, uma das conselheiras do projeto – era Susana. Pouco depois, Byrne faria questão de editar também alguns discos da peruana, já em nome próprio, de que sobressaem Eco de Sombras (2000) e Espíritu Vivo (2002), ainda hoje vistos como fundamentais na obra desta mulher que, como vimos, nunca se alheou das questões políticas e sociais do seu país. De resto, acabaria por ser eleita presidente da Comissão Interamericana de Cultura, ligada à OEA (Organização dos Estados Americanos), exercendo o cargo até 2013. Baca diria, para sintetizar essa presença nos meios de decisão, que “a recuperação da dignidade está muito ligada às políticas culturais”. Para acrescentar: “Os políticos que têm a pretensão de dirigir os nossos países [da América Latina] devem perceber que, se não colocarem o investimento na cultura entre as prioridades, tudo aquilo que andam a prometer acabará por transformar-se numa enorme mentira. Não basta que profiram empolgados discursos eleitorais em defesa da cultura se, uma vez eleitos, reduzirem o orçamento do setor a uma percenta- Susana Baca (em cima)e Adriana Varela: a música latino-americana aterra em Lisboa, bem representada