A palavra burra geringonça
Vivemos tempos políticos inquietantes. Mesmo nos mais consolidados dos regimes, nas democracias, as eleições são surpreendentes. Por cá e pela Europa fora surgem soluções inéditas que, para lá das consequências, convinha abrirmos a cabeça para perceber. O introito já é longo mas acrescento um lamento breve: dói. Dói vermos Portugal, que até não tem as convulsões políticas inesperadas de outros (caso da Inglaterra), agarrado à palavra geringonça. É um engraçadismo que devia ter a duração das anedotas, não mais. Mais é vergonhoso, revela a estupidez de quem não percebeu o trivial: a política são relações de força que, nas democracias, só têm de se submeter à lei. Pois nós continuamos, vai para dois anos, agarrados à palavra burra. Era como se os americanos repudiassem Trump por ter tido menos votos do que Hillary. Ele governa porque a lei diz que os votos do Colégio Eleitoral, e não os populares, é que contam – e siga. António Costa governa porque arranjou relações de força que lhe dão no Parlamento o que ninguém mais tinha e a lei exigia, uma maioria. E, claro, Costa segue também – mas escusávamos era de aturar o repetido ressurgimento da palavra burra. A casmurrice, que nunca é gratuita, impede os seus praticantes de perceber os fascinantes jogos de poder trazidos pelos noticiários. Por exemplo, a revolução francesa, a destes dias, já pôs o presidente Macron a confidenciar que preferia não ter “demasiados deputados”. Porque os 80 por cento com que pode acabar no domingo são um excesso de unanimidade para quem quer mudar a sociedade. Por seu lado, o maior aliado de Macron, o centrista Bayrou, teme vir a perder utilidade com o sucesso do presidente... É um prazer seguir as relações de força na política – isso, claro, para quem não se contenta com anedotas serôdias.