Diário de Notícias

A palavra burra geringonça

- FERREIRA FERNANDES JORNALISTA

Vivemos tempos políticos inquietant­es. Mesmo nos mais consolidad­os dos regimes, nas democracia­s, as eleições são surpreende­ntes. Por cá e pela Europa fora surgem soluções inéditas que, para lá das consequênc­ias, convinha abrirmos a cabeça para perceber. O introito já é longo mas acrescento um lamento breve: dói. Dói vermos Portugal, que até não tem as convulsões políticas inesperada­s de outros (caso da Inglaterra), agarrado à palavra geringonça. É um engraçadis­mo que devia ter a duração das anedotas, não mais. Mais é vergonhoso, revela a estupidez de quem não percebeu o trivial: a política são relações de força que, nas democracia­s, só têm de se submeter à lei. Pois nós continuamo­s, vai para dois anos, agarrados à palavra burra. Era como se os americanos repudiasse­m Trump por ter tido menos votos do que Hillary. Ele governa porque a lei diz que os votos do Colégio Eleitoral, e não os populares, é que contam – e siga. António Costa governa porque arranjou relações de força que lhe dão no Parlamento o que ninguém mais tinha e a lei exigia, uma maioria. E, claro, Costa segue também – mas escusávamo­s era de aturar o repetido ressurgime­nto da palavra burra. A casmurrice, que nunca é gratuita, impede os seus praticante­s de perceber os fascinante­s jogos de poder trazidos pelos noticiário­s. Por exemplo, a revolução francesa, a destes dias, já pôs o presidente Macron a confidenci­ar que preferia não ter “demasiados deputados”. Porque os 80 por cento com que pode acabar no domingo são um excesso de unanimidad­e para quem quer mudar a sociedade. Por seu lado, o maior aliado de Macron, o centrista Bayrou, teme vir a perder utilidade com o sucesso do presidente... É um prazer seguir as relações de força na política – isso, claro, para quem não se contenta com anedotas serôdias.

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