Revestimento do prédio serviu de combustível a fogo em Londres
Incêndio começou no 2.º andar e rapidamente atingiu todo o edifício. Em Portugal, seria quase impossível, garante arquiteto
O revestimento da Grenfell Tower, em Londres, terá sido o combustível que fez propagar até ao 24.º andar um incêndio com origem no segundo piso do edifício. Esta é a análise partilhada por arquitetos e engenheiros ouvidos pelo DN, os quais consideraram ainda que em Portugal dificilmente uma situação destas – que provocou a morte a 12 pessoas e feriu 78, dos cerca de 500 habitantes dos 120 apartamentos do prédio – ocorreria num edifício novo. “No que diz respeito à segurança dos edifícios e materiais, a nossa lei é muito rígida e moderna”, declarou ao DN Carlos Mineiro Aires, bastonário da Ordem dos Engenheiros.
Ontem, a polícia de Londres confirmou que há pelo menos 12 vítimas mortais no incêndio que deflagrou na madrugada no prédio de 24 andares da capital britânica, acrescentando que o número deverá aumentar. “É muito, muito difícil dizer um número de pessoas desaparecidas”, disse o comandante Stuart Cundy. “O número deve subir durante aquela que será uma complexa operação de recuperação que irá prolongar-se por vários dias. Muitas outras pessoas estão a receber assistência hospitalar”, tinha dito Cundy anteriormente, quando confirmou a existência de seis mortos.
“Pelos dados disponíveis”, referiu, por sua vez, o arquiteto Paulo Ramos, “tudo indica que a fachada do edifício tem um revestimento com o objetivo de isolar a temperatura interior. O fogo terá feito o seu caminho por aí, funcionando isso como uma espécie de chaminé que levou as chamas até ao topo”. Para o presidente da Society of Fire Protection Engineers em Portugal, “nas novas construções, quer em Portugal quer em Inglaterra, tal seria quase impossível de acontecer”, uma vez que “existem regras sobre a utilização de materiais não combustíveis nos revestimentos dos edifícios”.
Famílias portuguesas no prédio
Pelo menos 74 pessoas foram assistidas nos hospitais da capital britânica, entre as quais quatro portugueses: uma família – duas crian- ças e dois adultos – que vivia na torre e que teve de receber assistência hospitalar. As duas meninas, de 11 e 13 anos, estão fora de perigo, embora continuem em observação médica, disse, ontem, fonte da Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas. As restantes duas famílias nada sofreram.
Dos feridos, 20 estão em estado grave, informou o diretor de operações do serviço de ambulâncias de Londres. Paul Woodrow revelou ainda que os feridos hospitalizados estão a receber tratamento para ferimentos diversos, bem como para inalação de fumos.
Igrejas recebem donativos
Os cidadãos londrinos mobilizaram-se para levar ajuda aos desalojados, com várias igrejas da zona a abrirem durante o dia para receber donativos, alimentos e água. Ontem, também o Consulado de Portugal em Londres fez, através do Facebook, um apelo para a recolha de alimentos, roupa e produtos de higiene para os desalojados.
Miguel Alves, um dos dez portugueses que viviam no edifício, criticou, em declarações à agência Lusa, a atuação dos bombeiros e da polícia, que considera “não terem alertado rapidamente as pessoas do prédio”. “Os bombeiros e a polícia não agiram rapidamente, não alertaram logo as pessoas para o incêndio”, disse Miguel Alves, motorista de 49 anos, que vive em Londres desde 1998.
O português contou que tinha saído com a mulher e, ao regressar a casa, “carregou normalmente para o 13.º andar, onde reside”. “Carreguei para o 13.º e depois entraram mais duas pessoas que carregaram para o 4.º andar. Quando chegámos ao 4.º estava o hall de entrada cheio de fumo. A minha reação foi sair do elevador, mandar a minha esposa para fora do prédio e subir a casa para buscar o meu filho (20 anos) e a minha filha (16 anos) e trazê-los em segurança para baixo. Miguel Alves frisou que não havia nada que indicasse que a situação fosse “tão grave”. “Na verdade, tratava-se do início do incêndio. Nós não nos tínhamos apercebido do que estava a acontecer. Avisei alguns vizinhos do meu andar e depois desci em segurança com eles para a rua, sem problemas”, explicou. Contou que, quando chegou à rua, percebeu que o fogo já estava a sair pelas janelas do 4.º andar.
“Quando desci, a situação ainda não era assim tão grave. Por isso, questiono porque é que as autoridades não deram o alarme imediatamente, uma vez que já estavam no local quando desci à rua”, concluiu.
Duas crianças portuguesas foram internadas devido à inalação de fumo, mas ao longo do dia ficaram fora de perigo