Liberdade com responsabilidade
Adesignação de Diogo Lacerda Machado para a administração não executiva da TAP suscitou uma onda de críticas que terão levado o Presidente da República a sugerir um sistema de designação para estes cargos que envolvesse uma “entidade independente” ou um concurso público.
Contra a opinião da esmagadora maioria dos que se pronunciaram sobre este caso, considero errado retirar ao governo (a qualquer governo) o poder de nomear os representantes do Estado em empresas com capitais públicos. Acho mesmo que se foi longe de mais em transferir poderes do Estado para entidades que não respondem politicamente perante os eleitores.
Sem darmos conta, fomos desresponsabilizando os políticos que elegemos, ao retirar-lhes partes significativas da soberania do Estado, entregando-as a entidades independentes, com menor escrutínio público e menor responsabilidade.
Para que o governo seja responsabilizado pela gestão do Estado deve ter os instrumentos adequados, desde logo o poder de nomear quem vai executar as suas políticas.
No caso das empresas públicas, é suposto que a sua gestão deva obedecer a uma estratégia que sirva o interesse público, pois doutro modo não se vê qual a vantagem de o Estado deter a propriedade de empresas cujos resultados envolvem sempre risco que recai sobre os contribuintes. E nas empresas em que coabitam capitais públicos e privados, o Estado tem em vista deter na sua gestão uma influência igualmente na defesa de interesses que considera fundamentais para o país.
Mas se é essa a motivação da intervenção do Estado em empresas, os gestores nomeados prosseguem interesses públicos definidos pelo governo, órgão de soberania ao qual compete dirigir a política e a administração do Estado. Também por isso os critérios que devem orientar a escolha dos designados não podem ser apenas técnicos, necessariamente contemplam uma componente de confiança política.
Não faz sentido que para administrar empresas participadas do Estado sejam nomeadas pessoas que não se identifiquem com os interesses estratégicos definidos pelo acionista Estado.
Ninguém imagina que os acionistas privados nomeiem para as suas empresas pessoas em quem não confiem e que não se identifiquem com os interesses de quem os designa.
E convém não confundir a intervenção do Estado em empresas com a regulação, também uma função do Estado, de determinados setores da economia, regulação que, em princípio, se aplica tanto às empresas públicas como às privadas e que, em geral, visa a defesa dos cidadãos enquanto consumidores ou usuários dos bens ou serviços prestados pelas empresas dos setores regulados.
A função dos Reguladores não é prosseguir a política do governo mas antes a defesa de valores e interesses de pessoas que se relacionam com as entidades reguladas – os clientes dos bancos, os titulares de valores mobiliários, os consumidores em geral, no caso da Concorrência, ou os consumidores de bens e serviços específicos, etc. Porque é essa a função dos Reguladores, é defensável que gozem de um estatuto de independência na aplicação, de cariz técnico, das normas dos setores que regulam.
Mas mesmo aí acho que se foi longe de mais, porque, nalguns casos, a função do Regulador implica com interesses mais vastos do que os diretamente envolvidos no setor regulado, como é o caso do setor financeiro, como se tem visto recentemente.
Deixem, por isso, que o governo nomeie para as empresas com liberdade, para que possamos exigirlhe a correspondente responsabilidade. Coisa bem diferente é discutir se as nomeações são ou não as mais adequadas para o bom exercício dos cargos. Discussão livre, mas que deve fazer-se de modo civilizado, pois o risco de polémicas que roçam o insulto, como tem vindo a suceder com demasiada leveza, é afastar destes cargos pessoas competentes mas que prezam a sua reputação.
Deixem que o governo nomeie para as empresas com liberdade, para que possamos exigir-lhe a correspondente responsabilidade