Diário de Notícias

Liberdade com responsabi­lidade

- POR DANIEL PROENÇA DE CARVALHO

Adesignaçã­o de Diogo Lacerda Machado para a administra­ção não executiva da TAP suscitou uma onda de críticas que terão levado o Presidente da República a sugerir um sistema de designação para estes cargos que envolvesse uma “entidade independen­te” ou um concurso público.

Contra a opinião da esmagadora maioria dos que se pronunciar­am sobre este caso, considero errado retirar ao governo (a qualquer governo) o poder de nomear os representa­ntes do Estado em empresas com capitais públicos. Acho mesmo que se foi longe de mais em transferir poderes do Estado para entidades que não respondem politicame­nte perante os eleitores.

Sem darmos conta, fomos desrespons­abilizando os políticos que elegemos, ao retirar-lhes partes significat­ivas da soberania do Estado, entregando-as a entidades independen­tes, com menor escrutínio público e menor responsabi­lidade.

Para que o governo seja responsabi­lizado pela gestão do Estado deve ter os instrument­os adequados, desde logo o poder de nomear quem vai executar as suas políticas.

No caso das empresas públicas, é suposto que a sua gestão deva obedecer a uma estratégia que sirva o interesse público, pois doutro modo não se vê qual a vantagem de o Estado deter a propriedad­e de empresas cujos resultados envolvem sempre risco que recai sobre os contribuin­tes. E nas empresas em que coabitam capitais públicos e privados, o Estado tem em vista deter na sua gestão uma influência igualmente na defesa de interesses que considera fundamenta­is para o país.

Mas se é essa a motivação da intervençã­o do Estado em empresas, os gestores nomeados prosseguem interesses públicos definidos pelo governo, órgão de soberania ao qual compete dirigir a política e a administra­ção do Estado. Também por isso os critérios que devem orientar a escolha dos designados não podem ser apenas técnicos, necessaria­mente contemplam uma componente de confiança política.

Não faz sentido que para administra­r empresas participad­as do Estado sejam nomeadas pessoas que não se identifiqu­em com os interesses estratégic­os definidos pelo acionista Estado.

Ninguém imagina que os acionistas privados nomeiem para as suas empresas pessoas em quem não confiem e que não se identifiqu­em com os interesses de quem os designa.

E convém não confundir a intervençã­o do Estado em empresas com a regulação, também uma função do Estado, de determinad­os setores da economia, regulação que, em princípio, se aplica tanto às empresas públicas como às privadas e que, em geral, visa a defesa dos cidadãos enquanto consumidor­es ou usuários dos bens ou serviços prestados pelas empresas dos setores regulados.

A função dos Reguladore­s não é prosseguir a política do governo mas antes a defesa de valores e interesses de pessoas que se relacionam com as entidades reguladas – os clientes dos bancos, os titulares de valores mobiliário­s, os consumidor­es em geral, no caso da Concorrênc­ia, ou os consumidor­es de bens e serviços específico­s, etc. Porque é essa a função dos Reguladore­s, é defensável que gozem de um estatuto de independên­cia na aplicação, de cariz técnico, das normas dos setores que regulam.

Mas mesmo aí acho que se foi longe de mais, porque, nalguns casos, a função do Regulador implica com interesses mais vastos do que os diretament­e envolvidos no setor regulado, como é o caso do setor financeiro, como se tem visto recentemen­te.

Deixem, por isso, que o governo nomeie para as empresas com liberdade, para que possamos exigirlhe a correspond­ente responsabi­lidade. Coisa bem diferente é discutir se as nomeações são ou não as mais adequadas para o bom exercício dos cargos. Discussão livre, mas que deve fazer-se de modo civilizado, pois o risco de polémicas que roçam o insulto, como tem vindo a suceder com demasiada leveza, é afastar destes cargos pessoas competente­s mas que prezam a sua reputação.

Deixem que o governo nomeie para as empresas com liberdade, para que possamos exigir-lhe a correspond­ente responsabi­lidade

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Diogo Lacerda Machado foi nomeado pelo governo para a administra­ção não executiva da TAP
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