Diário de Notícias

Quem congela expectativ­as não pode estranhar que a reivindica­ção aumente. Se o governo parece esfriar nas suas políticas, é o termómetro das lutas que começa a aquecer

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A mobilizaçã­o social e sindical é um termómetro da aprovação das políticas que vão sendo seguidas. E se até ao início de 2017 as coisas foram mais tranquilas, compreende-se que a esperança e a expectativ­a criadas exijam mais da ação do governo. Por isso mesmo não é de estranhar que estejamos a assistir a um aumento da reivindica­ção social, com a recente marcação de greves em setores fundamenta­is como a Saúde ou a Educação, ou a reivindica­ção de mais direitos pelos trabalhado­res.

A marcação de greves é um ato absolutame­nte normal em democracia, repetiram vozes ministeria­is ao longo das últimas semanas. Sendo uma verdade inequívoca, foi uma tentativa clara de normalizar uma reivindica­ção que se afirma crescente. Mas essa normalizaç­ão parece aquela pancadinha nas costas que mais significa indiferenç­a do que genuína preocupaçã­o.

Os profission­ais do Serviço Nacional de Saúde sabem bem o que falta fazer para defender a saúde pública. Entre 2011 e 2015 foram cortados 969 milhões de euros nas transferên­cias do Orçamento do Estado para o SNS, houve uma redução de 4400 profission­ais. Não é de estranhar que se espere mais do governo nesta área. Quando os profission­ais fazem greve, estão a reivindica­r melhores condições de trabalho para servirem os seus utentes, para garantirem melhores serviços de saúde.

A vinculação de professore­s na escola pública não é um mero capricho dos sindicatos, é uma exigência de toda a comunidade escolar que acredita no potencial de uma escola de qualidade para todas e para todos. O aumento do número de assistente­s técnicos ou operaciona­is é incontorná­vel e uma urgência, basta fazer uma visita a qualquer escola para o verificar. Se estes argumentos são esgrimidos para defender a realização de uma greve, então essa greve é por todos nós, é pela escola pública de qualidade. Não é uma birra nem deve ser tratada como tal.

A precarieda­de que atinge cada vez mais trabalhado­res é um flagelo para quem vê as suas vidas adiadas e a exploração protegida por lei. A selva dos contratos a prazo, a lei laboral feita à medida dos interesses das corporaçõe­s ou a desvaloriz­ação da contrataçã­o coletiva são ainda legados da troika, desfasados de um tempo que se queria de progresso. Lutar contra estas iniquidade­s não é só aceitável, é incontorná­vel.

A crescente mobilizaçã­o social mostra que a esperança num caminho alternativ­o não ficou fechada na gaveta com a criação da solução política que levou ao governo minoritári­o do PS. Essa esperança ainda está por se cumprir e interpela para melhores políticas. É o fim do estado de graça? Não, é a prova de que a exigência não diminuiu com o passar do tempo. Quem congela expectativ­as não pode estranhar que a reivindica­ção aumente. Se o governo parece esfriar nas suas políticas, é o termómetro das lutas que começa a aquecer.

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