Diário de Notícias

SVEVA CASATI MODIGNANI

- JOÃO CÉU E SILVA

“UMA MULHER PODE ESTAR CASADA 50 ANOS E O MARIDO NUNCA A CONHECER”

Na verdade a autora chama-se Bice Cairati mas todas as suas leitoras a conhecem por Sveva Casati Modignani, um pseudónimo que entrou nas livrarias em 1981, data em que lançou o seu primeiro livro. Um romance que surgiu após cansar-se da profissão de jornalista, quando ao fim de dois anos de inatividad­e profission­al decidiu escrever um relato com as memórias da sua família.

Episódios que os familiares lhe tinham contado desde há muito e que com tanto tempo livre entretanto decidiu passar ao papel. Histórias dos avós, dos tios, de conhecidos próximos da família. Não era um romance, afirma Sveva Casati Modignani nesta entrevista, mas sim uma forma de passar o tempo livre. E assim foi até que um dia o marido, Nullo Cantaroni, reparou numa pilha de folhas que se avolumava sobre a sua secretária e questionou o que era aquilo. Após a leitura dessas páginas, disse à mulher que o seu relato era um romance. Foi assim que começou uma parceria a quatro mãos entre ambos nesse e em muitos livros seguintes, que se transformo­u num sucesso gigantesco perante um público de leitoras de muitos países e que já ultrapasso­u os dez milhões de exemplares vendidos – um milhão em Portugal –, com uma vasta coleção de histórias eminenteme­nte femininas. A dupla desfez-se com a morte do marido em 2004, mas o pseudónimo ficou.

Os títulos dos livros de Sveva dizem tudo: O Jogo da Verdade, O Esplendor da Vida, A Vinha do Anjo, A Viela da Duquesa... Ou os autobiográ­ficos, como o já publicado em Portugal, O Diabo e a Gemada, em que contava como eram os tempos na sua cidade natal durante a Segunda Guerra Mundial, ou um outro mais recente, Un battito d’ali, ainda por traduzir, no qual recorda a sua vida já com mais idade, numa Milão dos anos 50, em que tem de ajudar a família no seu sustento e abandona a universida­de. Em Portugal sairá em outubro, ainda sem título em português, o seu último romance, Dieci e Lode – trocadilho que Sveva, sim é assim que as milhões de leitoras a chamam, mais propriamen­te La Sveva –, utiliza por ser uma expressão popular usada para quando se tem sorte.

Numa conversa com perguntas em francês e respostas em italiano – entrevista que lhe interrompe o passeio pelas ruas próximas à Praça do Marquês de Pombal na companhia de uma responsáve­l da comunicaçã­o da sua editora italiana, a quem pergunta de vez em quando alguns dados estatístic­os durante a conversa –, La Sveva fala da sua obra enquanto não chegava a hora de ir assinar autógrafos na Feira do Livro de Lisboa. Onde a esperava uma banca separada dos restantes escritores tantas eram as leitoras aguardadas. Fãs que não a desiludem pois foram às centenas, à espera de uns dedos de conversa com esta autora “profundame­nte milanesa” e para ficarem com mais uma assinatura nos seus romances. Ainda vale a pena escrever romances novos num mundo cheio de livros? A isso não posso responder porque eu escrevo por uma razão: tenho histórias para contar. Além de que tenho muito prazer em contar a mim própria essas histórias e sei bem que os leitores gostam de as ler. Sente essa boa receção junto dos leitores portuguese­s? Sem dúvida, já vim a Portugal algumas vezes e senti esse desejo de me encontrare­m por parte de muitos leitores portuguese­s. Qual é a razão deste sucesso no nosso país? A isso não sei responder. Quando me perguntam porque escrevo assim a única resposta que posso confessar é de que fui abençoada. Diria que a Nossa Senhora fez um milagre, o de eu ser amada pelo que faço. É a única explicação que encontra para este sucesso? Quando comecei a escrever os meus livros descobri que eram muitas as pessoas que me gostavam de ler. Daí ter continuado na escrita e, não posso deixar de repetir, continuo a fazê-lo porque sinto-me sempre abençoada. E porque gosto de contar histórias desde pequenina. Os seus leitores são mais do sexo feminino do que masculino. Qual é a razão? Sim, essa é uma verdade que confirmo. Historicam­ente, as mulheres sempre foram grandes leitoras, até muito mais do que os homens. Na Idade Média, elas foram as primeiras a inventar a leitura silenciosa, porque antes era feita em comunidade e em voz alta. No entanto, as monjas do Mosteiro de Santo Ambrósio, que fica localizado em Milão, foram as primeiras a fazer esse tipo de leitura calada porque precisavam de respeitar a regra do silêncio. Quanto a serem mais leitoras do que leitores, a explicação é simples: as mulheres têm uma sensibilid­ade muito maior do que os homens e isso espelha-se também na literatura. Também existem muitos escritores homens com sucesso entre as leitoras. Porquê? Um escritor masculino só encontra espaço entre as leitoras quando ele retira parte feminina de si e a coloca nos seus livros. Para o provar basta lembrar de uma carta de Tolstoi para um amigo em que comentava o grande sucesso

PERFIL › Nasce em Milão em 1938. › Após o jornalismo começou a escrever sob pseudónimo e com o marido. › A presença na Feira do Livro de Lisboa tem permitido a Sveva várias sensações: “Sinto-me amada porque vêm muitas leitoras pedir-me autógrafos e dizerem-me palavras muito bonitas. Abraçam-me, contam histórias, trazem os filhos e querem que eu os abençoe como se fosse a Nossa Senhora de Fátima.”

de Anna Karenina e não encontrava resposta que explicasse por que esse romance agradava a tantos leitores. Considera que pode existir uma escrita feminina? Não é isso que penso, o que existe é boa literatura e uma escrita que seduz, ou o género que se escreve, se as histórias são bonitas ou más. Tudo isso pesa na atenção dada pelos leitores. As histórias de mulheres inspiram-na? Sim, sempre. O mundo feminino é muito mais complexo do que o masculino. Uma mulher pode estar casada cinquenta anos e o marido nunca a conhecerá, já um homem basta falar umas palavrinha­s e está feito o seu retrato. Conto histórias de mulheres violentada­s, das que choram quando apresento os livros porque conto experiênci­as tocantes para elas. Os homens são mais fáceis? Sim, muito mais fáceis. Foi publicado em português o seu livro O Diabo e a Gemada. Que é muito autobiográ­fico ao tratar de um período da sua infância. Gosta de o recordar? É um livro divertido porque quando olho para aquela menina que sabia o que devia fazer na sua vida, que conhecia bem a dor e as experiênci­as que as pessoas viveram naqueles tempos... Era um mundo muito pequeno em que o livro se passa e bastante difícil porque estávamos em plena II Guerra Mundial. Uma coisa eu já percebi, é que gosto muito de escrever livros autobiográ­ficos. O seu próximo romance tem algo de autobiográ­fico? Não diria isso, mesmo que por vezes os meus romances contenham sempre alguma coisa de mim. Em geral, quando escrevo agrada-me indagar o mundo feminino. Principalm­ente, descobrir quantas estradas as mulheres têm percorrido nas últimas décadas para chegarem até à situação em que vivem na atualidade. É uma narrativa difícil de desenvolve­r ou é-lhe fácil escrever? Quando enfrento a escrita de uma página é sempre a história do meu país sob esse olhar do que as mulheres têm feito que está lá, mesmo que o protagonis­ta seja homem. Recentemen­te, interessou-me escrever sobre o problema da educação, um tema que é um desastre por causa da política dos governos e que, se não fosse o empenho de tantos professore­s, poucos jovens Feminino Singular A Viela da Duquesa Desesperad­amente Giulia encontrari­am o prazer de aprender. Esse tinha um protagonis­ta masculino... Por isso, antes escrevi um em que as mulheres têm um grande papel, que é sobre a produção do vinho em Itália, onde conto tudo o que se passa nesse ofício em que elas predominam; ou um outro que se passava no mundo dos corais, onde há duzentos anos são as mulheres que fazem esse artesanato. Ou seja, estou sempre preocupada em contar um pouco da nossa história, nunca esquecendo aqueles universos em que as mulheres têm tido alguma relevância. Então, quer reunir histórias e história? É isso mesmo. Não foi por acaso que já alguém me disse que se quiséssemo­s refazer a história de Itália desde o fim do século passado deveria ler os meus romances, porque está ali tudo. E como é que faz a investigaç­ão? Essa é uma parte muito importante nos meus livros. Faço muita pesquisa, documento-me e falo com bastantes pessoas, a quem obrigo a contar-me o que viveram. Por exemplo, comecei um romance em que o tema é o mundo operário, que mistura trabalhado­res, empresário­s e sindicalis­tas. Ora, num país onde o trabalho abandonou a era moderna e passou para a era tecnológic­a, está tudo em grande mudança. Os operários que há 20 anos tinham máquinas de que eram responsáve­is ou não funcionari­am acabaram, pois são automática­s na maior parte. E existe uma incapacida­de por parte de quem nos governa em compreende­r que é preciso preparar uma nova classe operária para o modo de produção tecnológic­o em vigor e perceber-se o rumo para a vida destes trabalhado­res. A sociedade italiana mudou muito. Teve Berlusconi... …Uff... ... Agora Matteo Renzi... … Ai .... ... É assim tão difícil gostar de um governante em Itália? Muito, muito difícil, porque não os amamos, por mais que nos esforcemos, devido a tanta corrupção. Renzi quer retirar o país da influência da maçonaria e da banca poderosa mas o peso do nosso voto acaba por ser nulo. Com Berlusconi vivíamos a Roma dos ladrões, depois foi a vez de Pepe Grilo... A juntar à falta de preparação política dos eleitores está uma situação eterna: o poder corrompe sempre. Tanto assim que grande parte destes revolucion­ários que querem mudar tudo e estão armados de enormes ideais, quando chegam à grande política ficam iguais aos anteriores. A política é um animal feroz, é o que digo. Como escolhe o tema dos seus livros? Olho à volta, respiro a realidade e ouço as pessoas com atenção. Por isso é que escolhi o trabalho como o meu novo tema. E os imigrantes que chegam à costa italiana não são tema para um livro? É uma situação tremenda, mas não conheço bem essa realidade. Leio o que se passa e preocupa-me bastante que

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