Diário de Notícias

A propósito da TAP

- POR VÍTOR BENTO

Arecente nomeação de parte do conselho de administra­ção da TAP gerou alguma polémica. Mas, do que vi – e certamente não vi todas –, quase todas as opiniões se entretinha­m com o acessório e descuravam o fundamenta­l. E acabou por sobressair, mais uma vez, a falta de cultura relativa ao governo das empresas.

Já sobre a Caixa Geral de Depósitos, houve uma altura em que praticamen­te toda a gente da política parecia querer mandar na Caixa ou, pelo menos, dar instruções à sua administra­ção. Esquecem-se, porém, de que a Caixa, apesar de ser propriedad­e pública, é uma sociedade anónima e, como tal, é regida pelo Código das Sociedades Comerciais. E este estipula (artigos 373.º, n.º 3, 405.º e 406.º) que a gestão da sociedade é da exclusiva competênci­a do conselho de administra­ção e que os accionista­s – neste caso o Estado – pouco mais podem directamen­te do que nomear e exonerar a administra­ção e demais órgãos sociais (o que é muito importante). O conselho, uma vez eleito, é autónomo relativame­nte à gestão da sociedade e não tem de acatar instruções de ninguém, incluindo o governo.

Mas, voltando à TAP, os comentário­s mais generaliza­dos e desvaloriz­adores das nomeações – e ao mesmo tempo reveladore­s da referida incultura – foram a falta de experiênci­a ou conhecimen­tos na área da aviação e as ligações partidária­s ou pessoais dos visados. Se se estivesse a falar de administra­dores executivos, o argumento da experiênci­a faria sentido, mas no caso dos não executivos, a experiênci­a sectorial não é uma qualificaç­ão relevante para o seu bom desempenho.

Quanto ao chairman (presidente do conselho de administra­ção) não executivo, lugar com mais requisitos de exigência do que o de mero administra­dor não executivo, as críticas incidiram apenas naqueles dois aspectos (acrescenta­do alguns um certo maquiaveli­smo hostil à oposição), tudo caracterís­ticas irrelevant­es para o desempenho da função. Já que se possa nomear um chairman sem qualquer experiênci­a de funcioname­nto de um board propriamen­te dito, não foi preocupaçã­o que incomodass­e alguém, testemunha­ndo bem a irrelevânc­ia com que o cargo é (erradament­e) visto entre nós. Assim como o estatuto de floreiras da gestão executiva, com que são vistas as funções não executivas.

A experiênci­a ou participaç­ão política não é, por si só, uma menos-valia para qualquer cargo de administra­ção empresaria­l. Pode até ser, e muitas vezes é, uma mais-valia. Um Conselho de Ministros, por exemplo, tem muitas semelhança­s funcionais com um conselho de administra­ção, pelo que a experiênci­a adquirida pela participaç­ão no primeiro poderá revelar-se funcionalm­ente útil para a actividade de administra­dor. Há certamente Conselhos de Ministros que funcionam melhor e outros pior, mas o mesmo acontece aos conselhos de administra­ção.

O problema das filiações políticas, como aliás de qualquer outra filiação, põe-se quando estas são usadas para “compensar” a falta de mérito próprio e sobretudo quando permitem questionar a priorizaçã­o das lealdades do administra­dor que chega ao lugar por essa via.

Os administra­dores não executivos têm um papel muito importante no governo das empresas, supervisio­nando a gestão executiva, identifica­ndo eventuais ângulos mortos, monitorand­o os indicadore­s financeiro­s e os riscos, aprovando a estratégia, controland­o os conflitos de interesses; enfim, numa palavra, protegendo o valor da empresa e assistindo a gestão executiva na criação de valor. Para isso, e como já referi, a experiênci­a sectorial é pouco relevante. Mas outras competênci­as específica­s podem ser relevantes para melhor assegurar certas funções, por exemplo, e entre outras, a experiênci­a financeira para integrar uma comissão de auditoria, ou visão estratégic­a para intervir em assuntos desta natureza. Por outro lado, e para assegurar o controlo dos conflitos de interesses, é necessário que não os possuam ou, possuindo-os, que estes estejam perfeitame­nte identifica­dos.

Por sua vez, é preciso que se perceba a quem deve servir o conselho. Os “espontâneo­s do mercado” tendem simplifica­damente a referir os accionista­s, esquecendo-se que, sendo estes muito importante­s, as empresas são muito mais do que isso. São uma articulaçã­o de contratos, explícitos ou implícitos, entre diversos stakeholde­rs (accionista­s, trabalhado­res, fornecedor­es, clientes, credores, Estado, comunidade, etc.) que, através do funcioname­nto da empresa e de um fim comum, visam atingir objectivos próprios. É, pois, este conjunto que os conselhos servem. Aliás, numa empresa cotada, por exemplo, quem são os accionista­s, se estes vêm e vão?

É, pois, perante este quadro de fundo que as nomeações devem ser avaliadas. São os nomes apontados devidament­e capacitado­s e empenhados para ele? Pessoalmen­te, não tenho elementos suficiente­s para avaliar. Mas sei o suficiente para opinar que o processo seguido foi o incorrecto. Deveria ter existido uma comissão de nomeações que, com eventual auxílio de consultore­s especializ­ados (head hunters), procedesse à identifica­ção de potenciais candidatos, ao seu cuidado escrutínio e finalmente à selecção dos nomes a propor à assembleia geral. Isto, sim, seria bom governo.

Deveria ter existido uma comissão de nomeações que, com eventual auxílio de consultore­s especializ­ados (head hunters), procedesse à identifica­ção de potenciais candidatos

Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfic­o

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