Diário de Notícias

Um menino travestido e um vagabundo dão que pensar

Campeão de Saias e Sr. Pivete, sem paternalis­mos e com humor, celebram a diferença e a amizade. São os primeiros livros do comediante David Walliams, agora publicados em Portugal

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CÉSAR AVÓ Os portuguese­s adeptos de comédia conhecem David Walliams de A Pequena Brã-Bretanha (Little Britain), série de humor negro escrita e protagoniz­ada a meias com Matt Lucas, transmitid­a há uns anos na RTP 2 e na SIC Radical. Na galeria de personagen­s que pulverizam as convenções está Emily Howard, um travesti à moda vitoriana que repete uma e outra vez ser uma dama, mas ninguém acredita. Um dia, quando Walliams e Lucas estavam em digressão com o espetáculo Little Britain, uma criança de 10 anos apareceu no público vestido como Emily Howard. “Uau, que corajoso”, pensou o ator, conta em entrevista à BBC 4. Mais tarde soube que o menino tinha ido naquele dia para a escola com aqueles trajes, inserido numa ação de recolha de fundos. Com este facto a servir de inspiração, Walliams elegeu como ponto de partida “e se um rapaz fosse para a escola vestido de rapariga?” para o primeiro livro que escreveu para os mais novos, Campeão de Saias, editado em 2008 em Inglaterra e agora em Portugal.

Esta história serve como exemplo que o próprio autor conta aos jovens quando fala em público sobre o processo criativo: “Mantenham os olhos e os ouvidos abertos.” Campeão de Saias conta a história de Dennis, um rapaz de 12 anos que leva uma vida triste, numa casa sem afetos, na qual até os abraços são proibidos. Um dia Dennis descobre que, além de jogar a bola, gosta muito de moda feminina. Um livro que celebra a diferença e no qual o autor não quis ser didático: “Tentei não usar termos complicado­s como travesti, porque acho que não é uma palavra necessária para as crianças.”

Um ano depois, Walliams lançou Sr. Pivete – editado em maio em Portugal. Aqui a protagonis­ta é Chloe, uma menina de 12 anos que não gosta da escola em que está e que se sente só. A casa é dominada pela insuportáv­el mãe (candidata conservado­ra às eleições locais) e pela irritante e ultracompe­titiva irmã mais nova. Até que num dia de Natal, Chloe decide dar dinheiro a um vagabundo (a tradução opta pelo politicame­nte correto “sem-abrigo”). A partir daqui nasce uma improvável amizade.

Walliams, que chega a escrever mais de uma dúzia de versões antes da final, contou nestes dois livros com a arte de Quentin Blake, de 84 anos. Uma lenda viva da ilustração, autor dos desenhos de Charlie e a Fábrica de Chocolate, de Roald Dahl, o primeiro livro que Walliams leu e releu por prazer. “Sou enormement­e influencia­do por Roald Dahl. Para mim, Dahl é o maior escritor para crianças de todos os tempos.”

A parceria com Blake não se repetiu, mas Walliams não mais parou de escrever: 16 livros, cinco dos quais para a primeira infância (sete publicados em Portugal),17 milhões de exemplares vendidos em cerca de 50 línguas. “Não pensei que dez anos depois continuass­e a escrever livros para crianças. É um processo que me tem dado grande prazer. Quando escrevemos comédia não temos tempo para cenas emotivas; queremos ser o mais divertidos possível. Senti que num livro podia fazer muito mais: podemos desenvolve­r a história, as personagen­s e os momentos emotivos.”

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