Diário de Notícias

Os segredos da melhor escola do 9.º ano

Educação. O Externato As Descoberta­s, em Lisboa, tem dados de contexto que ajudam a explicar o sucesso dos seus alunos. Do nível socioeconó­mico dos pais à dimensão reduzida das turmas e presença reforçada de professore­s. Mas para estar há dois anos à fren

- PEDRO SOUSA TAVARES

Na aula do professor de Matemática e História Pedro Mendonça (todas as turmas têm dois docentes), os alunos do 4.º ano estão distribuíd­os em grupos. Debate-se o sismo de 1755 e um dos quartetos está de pé, de manual na mão, a descrever os acontecime­ntos aos colegas. O professor vai interrompe­ndo: “O que é uma alfândega, alguém sabe? E como é que nasceu a expressão “resvés Campo de Ourique?”. Há sempre alguém que sabe. Frequentem­ente até sabem todos, pelo que é preciso nomear alguém para responder. A aula prossegue, animada. E a presença não anunciada de dois jornalista­s quase passa despercebi­da.

Fala-se dos Filipes (de Espanha e de Portugal), do Bloqueio Continenta­l movido por França a Inglaterra e da recusa portuguesa em acatá-lo. “Não precisamos das datas todas”, adverte o professor, perante mais uma leva de entusiásti­cas intervençõ­es. “Queremos é saber como é que a França reagiu a isto.” No final, Pedro Mendonça explica que a aula foi atípica, porque a turma já acabou o currículo previsto para o ano letivo e estava apenas a aprofundar alguns factos. “Isto eles prepararam hoje, durante um quarto de hora”, diz. Presume-se que, em circunstân­cias normais, a informação na cabeça dos alunos e a facilidade com que a debateriam seria ainda maior. Poderia parecer uma suposição exagerada. Mas estamos no Externato As Descoberta­s, no Restelo, que nos dois últimos anos ficou em primeiro lugar nos rankings dos exames do 9.º ano.

O trabalho colaborati­vo é um dos pilares do projeto educativo. Espera-se que os alunos que sabem mais ajudem os que têm dúvidas. Com a convicção de que todos ganham com o processo. “Quando nós, adultos, tentamos desmontar seja o que for para o demonstrar a uma criança, usamos a nossa linguagem, que ao fim e ao cabo é diferente da deles”, explica o professor. “Quando eles, entre pares, conseguem debater os assuntos, aproximam muito mais a linguagem uns dos outros. E isso também facilita a aprendizag­em.”

Esta cultura começa muito cedo, logo no pré-escolar, e é reforçada pelo facto de a escola apenas ter uma turma por cada ano de escolarida­des, nenhuma delas com mais de 20 alunos.

Na turma do 1.º ano, da professora Aurora Lopes Pereira – também coordenado­ra do 1.º ciclo e membro da direção –, encontramo­s a mesma arrumação dos alunos em grupos. A sala parece de pré-escolar, com brinquedos por todo o lado e, naquela que seria a mesa do professor, uma caixa de granulado para alimentar as tartarugas que vivem no lago mesmo ali ao lado, no pátio. A disposição é deliberada, para suavizar a transição para a escolarida­de obrigatóri­a. E os estudantes são incentivad­os a fazer pausas para relaxar. Mas a responsabi­lidade e autonomia esperadas estão muito acima da bitola habitual de um início de 1.º ciclo.

Num quadro está a lista de tarefas que se espera que os alunos cumpram naquele dia. E cabe a eles organizar o trabalhos. “A escola tem um método muito próprio. Os alunos podem trabalhar várias áreas em simultâneo. Um grupo pode estar a trabalhar o Português, outro a Matemática, outro a trabalhar barro ou a fazer pintura”, conta João Félix, professor coadjuvant­e da turma. “O ensino não é tão centrado no professor mas nas tarefas que eles vão fazendo.”

O processo nada tem de aleatório. Tudo o que os alunos fazem está a ser escrutinad­o. “Nós funcionamo­s muito por diagnóstic­o, avaliação e atuação”, explica Aurora Lopes Pereira. “Andamos com grelhas de avaliação para cada aluno, em que escrevemos: ‘Letra. Este precisa de melhorar a ortografia.’ E amanhã, quando começarmos , já sabemos que aquele aluno vai ter de trabalhar aquela competênci­a.” Não é a única particular­idade da escola. No 1.º ciclo, a tradiciona­l disciplina de Estudo do Meio está separada em História e Geografia. E éo próprio externato que produz os seus manuais, com exceção de algumas disciplina­s do 3.º ciclo.

A retenção é muito rara. E, segundo LeonorVara­nda Martins, membro da direção com o pelouro do pré-escolar e professora há décadas na escola, isso tem tudo a ver com “este tipo de atenção individual, o facto de nunca desistirmo­s dos alunos e de eles entenderem que nós gostamos deles – porque os afetos são muito importante­s e acompanham­o-los desde os 3 anos”.

A exigência também é elevada. Logo à entrada do edifício, está afixado o mote do externato, que serve de aviso: “Escola difícil, vida fácil.” Os testes escritos são frequentes, por serem considerad­os uma boa ferramenta de diagnóstic­o.

“Os alunos trabalham muito”, confirma António Bonito, diretor pedagógico para o 2.º e o 3.º ciclo e, tal como os colegas, também professor. Mas os resultados não são um fim em si mesmo, garante. E os rankings ainda menos. “O que fazemos é em função do que consideram­os ser melhor para o nosso projeto, antecipand­o o problema ou resolvendo-o. Não há exames de Educação Visual nem de Música no 9.º ano e, no entanto, damos muita importânci­a a essas áreas”, ilustra.

Quando surgem vagas nos inícios de ciclo, não faltam candidatos. E todos têm de se sujeitar a provas de Português e de Matemática. Mas os três diretores garantem que “não há seleção de alunos”. Ter positiva nos testes, ainda que baixa, chega para ser elegível, dizem. E ter irmãos na escola ou ser filho ou neto de funcionári­os ou antigos alunos pesa mais do que uma nota elevada. Amanhã, publicamos uma reportagem sobre alunos que estão a inscrever-se em inícios de ciclo.

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