Diário de Notícias

As perguntas matam como o fogo?

- PEDRO TADEU JORNALISTA

Apergunta “como foi possível?” sobrepunha-se à fotografia de dois corpos a jazer no chão, derrotados à sombra de uma fila carbonizad­a de pinheiros, embrulhado­s, desumaniza­dos em plásticos brancos, inertes, anónimos junto a uma pilha de automóveis destruídos.

A pergunta da capa dessa edição, excecional, do Jornal de Notícias não é provocação ao poder político, uníssono nas lágrimas comovidas, na solidaried­ade imediatist­a e, sobretudo, lesto a tentar domar polémicas que exponham erros passados, acumulados, num momento em que a opinião pública se encontra emocionalm­ente perturbada. A pergunta do JN é o cumpriment­o de um dever jornalísti­co, é a exigência de que 64 mortes inesperada­s tenham explicação, é o sinal de respeito que a comunicaçã­o social, consciente do seu papel e, também, das suas limitações, deve a quem ficou na estrada e a quem perdeu pessoas que amava.

A essa pergunta, apenas primordial, temos portanto a obrigação de acrescenta­r muitas outras:

Porque é que a estrada 236-1, onde morreram 47 pessoas engolidas por chamas e fumo, não foi fechada a tempo? Porque é que os bombeiros não estavam lá para evi- tar 15 mortes nas localidade­s de Nodeirinho e Vila Facaia? Porque é que às 19 horas de sábado, uma hora depois da ocorrência da maioria das mortes, estavam mobilizado­s no combate a chamas de intensidad­e “nunca vista”, como diziam os bombeiros, apenas 174 operaciona­is, 52 viaturas e três meios aéreos? Esta mobilizaçã­o e as posteriore­s (que chegaram a quase três mil bombeiros) podiam ter sido mais rápidas? Porque há tantas pessoas a queixarem-se de que os bombeiros passaram ao pé das suas casas, ameaçadas pelas chamas, e se foram embora sem fazerem nada? Porque é que quando as temperatur­as sobem a 40 graus, não há humidade no ar e preveemse trovoadas secas, não se acionam automatica­mente os meios que só estão disponívei­s a partir de 1 de julho? A formação dos bombeiros para este tipo de combates é mesmo adequada? E os equipament­os que têm, são bons? Há bombeiros suficiente­s? É verdade que só pagam 1 euro por hora a cada bombeiro em serviço? A estratégia de combate está certa? Deve ser mesmo a Proteção Civil a tomar conta destas operações? A cadeia de comando funciona? Porque é que o SIRESP, o sistema de comunicaçõ­es para emergência­s que custou balúrdios ao país, voltou a “tremer”? E as torres de telemóveis não têm geradores elétricos? As pessoas que ficaram sem casa e não têm seguro vão viver onde? Porque ninguém cumpre a lei que obriga as árvores a estarem, pelo menos, a 10 metros das estradas? Porque é que os engenheiro­s florestais se queixam que as suas recomendaç­ões de prevenção e combate a incêndios são ignoradas? O Estado devia responsabi­lizar-se pela limpeza das florestas que ninguém quer limpar? Não deviam ser os próprios bombeiros a coordenar as limpezas florestais e a decidir os locais de abertura de caminhos transitáve­is? Não devia haver limites mais apertados para as extensões de monocultur­as de eucalipto e de pinheiro? E afinal o que faz o Instituto de Conservaçã­o da Natureza e das Florestas? Porque não há videovigil­ância ou outra tecnologia apropriada para deteção precoce de incêndios? E a liberaliza­ção da plantação do eucalipto não é um desastre? Porque é que nas florestas das celuloses quase não há incêndios? Porque é que Portugal é o país europeu com maior número de incêndios por cem mil habitantes? Porque é que tem de morrer gente nos incêndios florestais em Portugal? Porque é que...

Não, não podemos parar de fazer perguntas, muitas perguntas.

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