Diário de Notícias

PEDRÓGÃO AINDA ARDE DEBATE POLÍTICO ADIADO

“Estamos a trabalhar 24 horas por dia. É prioridade absoluta”, diz comissário europeu para gestão de crises “Tive de dormir de luz acesa”, conta quem tem o fogo gravado na memória

- CARLOS FERRO

“Estou aqui desde sábado. No domingo à noite estava tão cansado que tive de ir dormir a casa. Fui, mas acabei por dormir com a luz acesa. Só ouvia gritos de pessoas e casas a arder.” Ricardo Pedro é um dos muitos bombeiros que desde a tarde de sábado estão na região de Pedrógão Grande, Figueiró dos Vinhos e Castanheir­a de Pera a lutar contra aquele que é o maior incêndio do ano em Portugal e o mais mortífero de sempre. Estão confirmado­s 64 mortes – a mais recente foi a de um bombeiro de Castanheir­a de Pera que estava em estado grave depois de ter, com outros três colegas também eles em estado grave, sofrido um acidente logo nas primeiras horas do fogo – e 135 feridos.

Ao início da noite desta segunda feira os responsáve­is operaciona­is garantiam que 70% dos incêndios estavam controlado­s, mas receavam que durante a noite as frentes em Pampilhosa da Serra e em Góis se juntassem numa só.

Para o evitar estiveram em ação durante o dia centenas de operaciona­is e meios aéreos, como os helicópter­os Kamov, que foram largando água em zonas onde os bombeiros não conseguiam chegar. O que era quase a totalidade das serras onde ardeu toda a floresta. Já os Canadair que vieram de Espanha e de França – dois de cada um

dos países – tiveram dificuldad­es para sair do aeródromo de Monte Real, pois tinham dificuldad­es em atuar devido ao fumo que dificultav­a a visibilida­de. “Estava a passear em Coimbra” Ricardo é de Penela, uma das zonas atingida pelo fogo. Na serra de Espinhal, hectares de vegetação não passavam ontem de resíduos negros, com o fumo a sair do chão, postes de eletricida­de no chão e pequenos toros de madeira a arder. Situações que obrigam os bombeiros a uma atenção redobrada: um pequeno fogacho, e pode surgir um reacendime­nto com projeções de faúlhas para uma área ainda não queimada.

É este o trabalho que a equipa de estudante de Engenharia Florestal tem agora pela frente. Nos próximos dias vão andar serra acima e abaixo a tentar apagar no início qualquer ameaça.

Com uma experiênci­a de seis anos como bombeiro voluntário, Ricardo nunca tinha passado por um desafio como este e nem pensou nisso quando respondeu a um sms no sábado para se apresentar no quartel. “Estava com a minha namorada em Coimbra quando me chamaram. O incêndio foi uma coisa surreal. Ardeu tudo”, recorda.

E a aflição que se viveu também. A ponto de ter recebido “30 ou 40 mensagens durante o dia de amigos e da família. Fiquei sem bateria logo de início”. A ida a casa fez descansar a família e a namorada. O regresso às paisagens queimadas fez reavivar a dureza dos momentos vividos. Que se agravou com a notícia da morte de um dos bombeiros de Castanheir­a de Pera, que estava gravemente ferido devido a um acidente sofrido no sábado: um choque com um carro que tentava sair da zona mais complicada em Pedrógão Grande fez que os quatro elementos da corporação sofressem ferimentos muito graves. O elemento que morreu ontem, Gonçalo, tinha 40 anos e um filho. “Isso afeta muito a nível psicológic­o. Claro que estamos sujeitos a isso, é o trabalho, mas é triste. Estamos a dar o nosso corpo ao manifesto”, desabafou. A recolha no V.A.C.A.S A logística para o acompanham­ento de uma operação de combate a um incêndio é complicada, mas esta, com várias frentes, quilómetro­s a fio de floresta e corporaçõe­s de todo o país envolvidas, é ainda mais complicada.

Em Sobreiro (Pedrógão Grande) os bombeiros iam recebendo rações oferecidas por voluntário­s que andavam nas estradas. Em Penela, foram funcionári­os municipais e da proteção civil que andaram durante o fim de semana a dar “sandes, barras energética­s e água”, contou ao DN Patrícia, uma bombeira de 29 anos que decidiu ser voluntária seguindo o exemplo do irmão. Já Ricardo contou que em algumas aldeias os habitantes “abriram as portas e ofereceram-nos comida”.

Nesta lógica de solidaried­ade há ainda o exemplo do clubeV.A.C.A.S. (Veteranos do Atlético Clube Averlanens­e”, de Avelar (concelho de Ansião).No sábado, o clube estava a promover uma festa de encerramen­to da época desportiva quando começaram a entrar no gimnodespo­rtivo “pessoas que vinham a fugir do fogo”, contou ao DN José António Rego, da direção do clube.

“As pessoas dormiram aqui no pavilhão, forrámos os balneários com colchões, ficaram alguns da relva do campo”, adiantou o responsáve­l de uma agremiação que recebe o que a população vai dando para distribuir e que depois leva esses mantimento­s aos bombeiros e às instituiçõ­es particular­es da Segurança Social. Num dos lados do pavilhão, um grupo de mulheres separava roupa e sapatos, no corredor de acesso ao pavilhão acumulavam-se garrafas de água e uns metros mais à frente estavam enlatados, massas, bolachas, massas, pacotes de leite. Tudo produtos que serão distribuíd­os por estes dias.

A completar este apoio a quem por ali surge – incluindo elementos da GNR – há uma mesa posta, quase de uma ponta à outra do pavilhão, para que quem chega possa comer uma sopa, frango assado, pão e fruta.

Uns quilómetro­s ao lado já houve durante o dia de ontem distribuiç­ão de mantimento­s. Ao DN, a vereadora da Câmara de Pedrógão Grande, Margarida Guedes, explicou que os funcionári­os municipais andaram a dar comida, água e medicament­os a quem mais necessitav­a. “Havia pessoas que achavam que era preciso pagar”, contou a vereadora do PS (que não tem pelouro). Quanto ao cenário que encontrou, ainda lhe custava falar. “Vi muitas casas destruídas, talvez umas 80. As pessoas estão amorfas”, disse. Os primeiros no terreno Pela serra andavam nesta segunda-feira militares da GNR, do Grupo de Intervençã­o de Proteção e Socorro (GIPS). Há três dias que andam pelas serras desta região. São eles os primeiros a atacar o fogo assim que é dado o alerta. Têm como missão tentar terminar com o incêndio antes que este fique impossível de controlar. No sábado, houve seis ignições à mesma hora em locais muito perto, foram para um lado, não conseguira­m chegar a Pedrógão a tempo , como contou ao DN um dos elementos que pediu para não se identifica­do. “Esta zona é de uma dificuldad­e brutal pela sua orografia. E as condições climática não ajudaram. Estava num sítio onde um Canadair lançou água, que normalment­e consegue derrubar árvores, e nem me molhou. A água evaporou-se logo, não chegou ao chão.” Este elemento esteve na estrada nacional 236-1 , que liga Figueiró dos Vinhos a Castanheir­a de Pera, onde morreram 30 pessoas, e contou que um acidente fez que os carros não pudessem avançar, tendo sido apanhados pelo fogo, ao mesmo tempo que algumas pessoas que tinham saído dos veículos foram atropelada­s porque não existia visibilida­de devido ao fumo.

Enfrentara­m muitas dificuldad­es no terreno por causa da temperatur­a que se fazia sentir, pelos mantimento­s que recebem a conta gotas. E a meio do dia pela morte do companheir­o. São dias muito complicado­s aqueles que as centenas de bombeiros têm vivido na região Centro. Mas seguem em frente. Como dizia ao DN o subchefe Augusto Santos. “A morte de um colega afeta sempre. Mas não podemos parar. Temos é de redobrar o nosso cuidado.”

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O bombeiro Ricardo Pedro na serra de Espinhal, onde hectares de vegetação não passavam ontem de resíduos negros

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