Os 5 km da estrada da morte que afetaram tantas aldeias
Aldeias em volta da EN236 choram mortos. A maioria das pessoas fugiu para a estrada em pânico. Para algumas isso foi fatal. Os que sobreviveram aprendem agora a lidar com a nova realidade, entre os destroços do que resta, e não é muito. Foram casas, veícu
Catorze quilómetros ligam Castanheira de Pera a Figueiró dos Vinhos: a EN236. Ao quilómetro cinco, de quem vem de Castanheira, morreram 47 pessoas, presas nas chamas e fumos em pouco mais de um quilómetro. Ao longo de mais 3 km choram-se mortes nas aldeias que a envolvem. O DN percorreu essas localidades, 118 km entre um vai e vem até à estrada principal. O medo e o pânico, também a curiosidade, levaram aquelas pessoas para as estradas, quem ficou em casa na maioria acabou por sobreviver.
Num ápice as chamas iniciadas do lado de Pedrógão Grande varreram eucaliptos, pinheiros, castanheiros, acácias e também figueiras, unindo as labaredas os dois lados da EN236, envolvendo Castanheira de Pera e Figueiró dosVinhos. O alcatrão derreteu onde arderam os carros, trajeto que ontem à tarde estava a ser alcatroado. Entre os 64 mortos confirmados, uma ou outra pessoa morreu em casa, mais por asfixia do que carbonizada.
Valinha Fontinha Maria Dolores Santos, 64 anos, e o marido vivem à beira da EN236 no quilómetro 5. Uma casa térrea pequena e modesta, onde o fogo entrou pelas janelas, os animais domésticos morreram, as árvores e a horta arderam. Uma fábrica de madeiras ao lado tem as viaturas e as máquinas industriais completamente destruídas. “Não sei como consegui correr tanto para salvar a minha casa e o carro, por fim já não andava, rastejava. Só eu e o meu marido. Ele queria fugir, insisti para ficar e proteger a nossa casa.” Nem sabe por onde começar a limpar, finalmente levaram as galinhas, os pintos, os coelhos e os patos.
Salaborda Nova Albertina Martins, 84 anos, o filho Jorge Marques, 47, e a família deste residem agora numa ilha de ruínas e cheiro a queimado. Anexos, currais, barracões, tudo queimado, também os animais. As cabras e ovelhas morreram – estima-se que terão morrido 1500 cabeças. Salvou-se a casa. Albertina estava sozinha, conta que foi a sardinheira que a levou para a cidade. Num posto junto à casa, uma folha A4 com uma cruz anuncia um funeral, o que se vai repetindo ao longo das ruas. Informa esta do funeral de Alzira Costa, 71 anos, da Nossa Senhora da Piedade, ainda na segunda-feira. Terá sido o primeiro enterro. Veio para a rua e foi atropelada por uma viatura em fuga, o condutor só parou na GNR de Castanheira de Pera. Confessou que tinha atropelado alguém.
Nodeirinho Três homens juntam-se na habitação de Costa, de 60 anos. Confortam-no por
não encontrar o filho, Diogo, de 21 anos. O homem está convencido de que morreu, que será um dos corpos não identificados que se encontram no Instituto Nacional de Medicina Legal, em Coimbra, mas, até agora, só lhe perguntaram a identificação do rapaz, não lhe disseram mais nada ou fizeram recolhas de ADN, lamenta-se. O filho saiu para procurar o tio, cujo corpo já foi encontrado ao fundo das terras. Algumas casas ardidas nesta aldeia, morreram 11 pessoas, tentavam fugir. Sandra Costa, 37 anos, foi outra das vítimas mortais, encontraram o corpo debaixo de uma caravana, onde se foi abrigar. Ontem realizou-se o funeral de uma menina de 4 anos cuja mãe e avó estão hospitalizadas.
Pobrais Mais 11 pessoas da aldeia que ficaram na estrada, cujos carros acabaram enfaixados uns nos outros. “O calor era insuportável, o fumo, acabámos por nos meter no tanque. Vi as labaredas e percebi que iam chegar depressa, os ventos sopravam para aí a 200 km/hora. Tinha cá os meus três netos e disse para a minha nora os levar, ficaram os adultos, entregues à nossa sorte. Deveriam ser 20.30. Os eucaliptos estavam dobrados até ao chão. As pessoas entraram em pânico, sempre disse que ficava cá, para proteger as coisas”, diz Manuel Graça, 68 anos.
Vila Ficaia Susana Costa, 32 anos, e Paulo Antunes, 38, vieram do Luxemburgo no domingo à noite, para onde emigraram há oito anos. Mão-de-obra no estrangeiro que deu para comprar uma casa por 44 mil euros no centro da cidade deVila Ficaia, que vinham a reconstruir aos poucos. As janelas do primeiro andar tinham sido postas há 15 dias. Vieram porque a avó do homem morreu, por asfixia na rua junto à estrada, em Ramalho. Souberam depois que a casa tinha ardido, entre outras que ficaram intactas. Têm regresso mercado para hoje, provavelmente não irão assistir ao funeral, porque ontem ainda não tinha sido entregue o corpo. “É uma tristeza, uma vida de poupanças em cinzas.”
Moitas Uma família de Alcobaça comprou aqui uma casa, que reconstruiu em pedra, imitando o xisto, já que este é material típico da zona, com uma pequena piscina, no alto da vila com a floresta em baixo. Festejavam os anos da filha, umas 25 crianças na brincadeira. Viram as chamas e não arriscaram ficar. Saíram, sãos e salvos. A casa parece um rendilhado, queimada, só algumas paredes de pé.
Villas de Pedro Numa das aldeias que ficam do lado de cima da EN236, Sílvio David, 60 anos, tem o olhar preso na coleção de automóveis para recuperar, tudo ardido. “Andei a plantar eucaliptos no alto da serra, vi a trovoada seca e o fogo a começar.Vim às 17.30, tomei banho e comi.Voltei à serra, quando cheguei já tinham ardido os carros. Ainda consegui salvar a carrinha. Nem sei o que fazer. Tenho uma caravana e já pensei em pegar nela e sair daqui.”