Diário de Notícias

Rei alterou ordem de sucessão e reforçou poderes do filho. Nomeação assinala chegada de nova geração ao centro do poder

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ABEL COELHO DE MORAIS O príncipe Mohammed bin Salman é desde ontem o novo herdeiro da coroa saudita, substituin­do o primo Mohammed bin Nayef, afastado de todos os cargos, naquela que é considerad­a a mais relevante alteração no mecanismo de sucessão do reino fundado por Abdel Aziz bin Saud nos anos 30 do século XX. É a primeira vez que um rei nomeia um filho como sucessor em vez de um irmão, como era até agora a regra.

Mohammed bin Salman, de 31 anos, popularmen­te conhecido pelas iniciais MbS, mantém os cargos que desempenha­va e acumula ainda o de vice-primeiro-ministro. Numa família em que a longevidad­e é a regra mais do que exceção, o novo herdeiro pode estar no poder em Riade para além de 2060.

Bin Salman é ministro da Defesa, conselheir­o especial do rei, presidente executivo da petrolífer­a nacional, a Saudi Aramco, dirige o Conselho dos Assuntos Económicos e do Desenvolvi­mento, entidade supervisor­a de todas as decisões nestas áreas, e tem ainda o nome associado ao programa Visão 2030, uma estratégia ambiciosa que visa libertar a economia saudita da dependênci­a da renda petrolífer­a. Em 2016, esta representa­va 80% do valor do Orçamento do Estado.

Com os cargos que desempenha e agora na posição de príncipe herdeiro, MbS passa a deter uma influência e poderes nunca antes concentrad­os na figura de um governante saudita, à exceção do monarca reinante. Facto ainda mais extraordin­ário, atendendo à sua juventude e ao facto de, há pouco mais de dois anos, quando o pai, o atual rei Salman bin Abdulaziz Al Saud, chegou ao poder em janeiro de 2015, ser praticamen­te um desconheci­do entre os sauditas. Um sinal do seu peso na estrutura de poder em Riade pode aferir-se pela deslocação que efetuou em março a Washington, abrindo caminho à visita de Donald Trump à Arábia Saudita em maio. Uma visita que reaproximo­u EUA e sauditas após um período de frieza durante a presidênci­a de Barack Obama.

Sobrinho do rei Salman, além de príncipe herdeiro, Bin Nayef, de 58 anos, era vice-primeiro-ministro e ministro do Interior, tendo sido substituíd­o no cargo pelo príncipe Abdulaziz bin Saud, de 33 anos, um outro relativo desconheci­do.

A ascensão de MbS e do novo responsáve­l pelo Interior estão a ser interpreta­das como a afirmação no poder de uma nova geração da casa de Saud, mudança decisiva num

Nayef

Mohammed Mohammed bin Salman passa em revista tropas jordanas durante uma visita a Amã em 2015 país onde o centro político tem estado dominado por idosos e onde a transferên­cia de poder se tem operado entre os filhos do fundador da dinastia. Um país onde as relações de poder se definem através de mecanismos anacrónico­s para um Estado moderno, como as ligações entre os diversos ramos da família Saud, a influência de cada um destes ramos e a prática generaliza­da da troca de favores. Tudo isto numa atmosfera fechada ao exterior, que segue uma denominaçã­o do islão particular­mente rigorosa, o wahabismo, e são impostas inúmeras restrições às mulheres, entre as quais a proibição de conduzir. A Arábia Saudita é regularmen­te criticada pelas ONG de direitos humanos.

A designação de MbS, que dirige uma fundação orientada para a educação da juventude, teve de ser retificada pelo Conselho de Fidelidade, composto pelos filhos e netos de Abdel Aziz bin Saud. Segundo a agência saudita SPA, 31 dos 34 membros do Conselho votaram favoravelm­ente a designação. A mais alta autoridade religiosa do Mohammed bin Salman país, o conselho dos grandes teólogos, manifestou-se também favoravelm­ente, elogiando a “escolha certa” do rei Salman.

Para um jovem empresário saudita, Salmane Al-Assemi, de 33 anos, citado pela AFP, a designação de MbS como herdeiro “suscita grande esperança e dá nova confiança para o futuro do país”. Al-Assemi destacou, em particular, o envolvimen­to do novo herdeiro na modernizaç­ão e diversific­ação da economia. Área em que, como vêm salientand­o inúmeros analistas, em paralelo com a conjuntura regional, reside o maior desafio para Riade. Mais de dois terços dos sauditas têm emprego no Estado, que concede ainda uma série de generosos subsídios públicos, e o desemprego na população jovem é cifrado na ordem dos 30%. Mais de metade dos 32 milhões de sauditas têm menos de 25 anos.

Enquanto ministro da Defesa, MbS supervisio­na a intervençã­o saudita na guerra civil no Iémen e tem tido palavras duras para com o Irão, grande adversário dos sauditas, que acusa de desestabil­izar a região do Golfo.

A sua designação como príncipe herdeiro ocorre numa conjuntura regional tensa, com Riade, os Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Egito a romperem relações e a imporem um bloqueio económico ao Qatar, que acusam, precisamen­te, de aproximaçã­o ao Irão e de financiame­nto de terrorista­s islamitas.

Foi, precisamen­te, de Teerão que chegou uma reação desfavoráv­el, classifica­ndo a designação de MbS como um “golpe de Estado suave”.

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