Diário de Notícias

O que falhou e não pode falhar no futuro? Com tantos incêndios que se repetem ao longo dos anos, a pergunta ficou gasta. Cuidar dos vivos significa que esta tragédia não se pode repetir

-

que correu o país. Foi emocionant­e essa união e a forma como a sociedade se organizou para apoiar bombeiros e populações, dar meios às instituiçõ­es que acolhem quem teve de abandonar a sua casa, acudir aos animais. É certo que será preciso mais para reconstrui­r as vidas, as habitações e as economias. Aí é o Estado quem deve ter o papel fundamenta­l e a urgência nessa tarefa.

A responsabi­lidade seguinte é a de garantir que nenhuma pergunta ficará sem resposta. A dimensão desta tragédia assim o exige, as vidas humanas que foram ceifadas não nos deixam descansar. Devemos respostas porque lhes devemos respeito. Ser consequent­es. Honrar cada vítima deste incêndio e de tantos incêndios é garantir esse cabal esclarecim­ento.

O que falhou e não pode falhar no futuro? Com tantos incêndios que se repetem ao longo dos anos, a pergunta ficou gasta porque parece que nunca se aprendeu com os erros do passado. Agora não pode ser assim, impõe-se agir com determinaç­ão e lucidez corajosa para que não se repita a tragédia.

Este não é só um problema do tempo ou do clima. As alterações climáticas estão aí com condições climatéric­as cada vez mais extremadas, mudanças mais bruscas e mais exigentes. É certo que o futuro nos confrontar­á cada vez mais com condições adversas. Mas a resposta não pode ser a da desistênci­a perante a adversidad­e, a aceitação de inevitabil­idades que deixarão as populações inseguras e indefesas. A resposta só pode ser de mais exigência na preparação.

As questões complicada­s e que nos convocam a todos são as de escolha política: Continuare­mos a confiar o ordenament­o florestal à liberaliza­ção do eucaliptal? É aceitável a existência de manchas contínuas de eucaliptos e pinheiros ao longo de dezenas de quilómetro­s? Será que os interesses das celuloses continuarã­o a impor-se ao país e à segurança das populações? Teremos capacidade e vontade para combater a desertific­ação do interior e o abandono das terras? Estas são as perguntas chave para uma verdadeira política de prevenção e cuja resposta se coloca perante o paradigma fundamenta­l: será que a defesa da propriedad­e privada deve ser feita até a um limite tal que coloca em causa vidas humanas?

O combate aos incêndios florestais não se faz só na altura dos fogos, é certo. Tem de ser preparado com uma visão integrada para o país e para a nossa floresta. Não podemos andar permanente­mente a correr atrás do prejuízo. Nesta matéria, muitas das respostas já foram encontrada­s, só não foram implementa­das porque há interesses económicos que o impedem. Esta tragédia convoca-nos para que a história não se repita.

A última pergunta é a de uma investigaç­ão que não está concluída: será que o modelo de proteção civil funciona? É mais uma pergunta que não pode ficar sem resposta no rescaldo deste incêndio. “Cuidar dos vivos” é garantir que os erros não se podem repetir.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal