Diário de Notícias

O herói improvável

- BEGOÑA ÍÑIGUEZ CORRESP. DA RÁDIO CADENA COPE E JORNAL LA VOZ DE GALICIA

O espanhol Ignacio Echevarría, a oitava vítima do atentado da Ponte de Londres, morreu corajosame­nte a enfrentar os terrorista­s

Oadvogado galego Ignacio Echevarría (Ferrol, A Corunha, 1978) tinha celebrado o seu 39.º aniversári­o dias antes da tragédia provocada pelo terrorismo islamista. Foi no dia 3 de junho. Aparenteme­nte era uma noite de sábado como tantas outras, no movimentad­o centro de Londres. Ignacio, depois de ter patinado no seu skate durante horas, como costumava fazer com enorme destreza desde criança, dirigia-se de bicicleta ao encontro dos seus amigos londrinos, com quem tinha combinado jantar num dos muitos restaurant­es próximos da Ponte de Londres.

Foi então, segundo testemunha­s presenciai­s, que Echevarría se deparou, a poucos metros do seu percurso, com o atentado reivindica­do pelos jihadistas. Em vez de fugir ou de ficar num local fora de perigo, como fizeram o resto das pessoas, deixou rapidament­e a bicicleta e foi ajudar um polícia inglês, que tentava impedir que matassem mais pessoas.

Foi quase um minuto, menos de sessenta segundos, mas com a sua determinaç­ão, o advogado espanhol tornou-se um herói improvável. Teríamos feito o mesmo que ele numa situação semelhante? Questionav­am os media espanhóis depois de se confirmar oficialmen­te o heroísmo do galego.

A atuação de Ignacio Echevarría foi determinan­te, segundo as testemunha­s presenciai­s e a polícia britânica, para que o número de vítimas, oito no total, não fosse maior, como tinham planeado os terrorista­s. Mas a família de Ignacio viveu cinco dias dramáticos, depois do atentado, até que finalmente o governo de Londres confirmou a morte do advogado espanhol. Por que demoraram quase cinco dias a confirmar o óbito e a identifica­r o cadáver? É uma das muitas questões que permanecem ainda depois do atentado, que veio evidenciar a falta de efetividad­e e rapidez na atuação das forças e corpos de segurança ingleses.

O governo espanhol, presidido pelo conservado­r Mariano Rajoy, e a sua diplomacia, tiveram de ameaçar com um protesto formal, perante o executivo da primeirami­nistra britânica Teresa May, para expatriar o cadáver a Espanha e que a família de Ignacio o pudesse, por fim, velar e dar o seu último adeus. O governo espanhol concedeu a Ignacio, a título póstumo, a Grande Cruz da Ordem do Mérito Civil, “pela sua coragem e solidaried­ade para com os outros, numa situação-limite que acabou com a sua própria vida”, destacou Rajoy sobre Echevarría.

Este acontecime­nto com um final trágico teve algo de positivo na forma de reagir dos familiares de Ignacio, perante o que lhes estava a suceder. Com imensa calma, serenidade e agradecime­nto, pelas muitas mensagens de condolênci­as e de carinho chegadas de todo o mundo, e pelo tratamento mediático dado à notícia, dois dos irmãos do “herói galego do skate”, como é conhecido, deram uma lição de humanidade que nos fez acreditar na importânci­a da generosida­de e da solidaried­ade para com os outros, nestes tempos em que quase todos estamos virados para os nossos problemas pessoais, sem reparar no que acontece à nossa volta. “Um homem bom, familiar, solidário, amigo dos seus amigos e muito simpático”, assim definem Echevarría as pessoas do seu círculo mais próximo.

Que tinha de especial Ignacio para numa situação-limite, como a da noite de 3 de junho, atuar assim? Os seus numerosos amigos, repartidos entre Galiza, Madrid, Paris e Londres, confirmara­m que era uma pessoa “extremamen­te sensível para com o sofrimento dos outros, frontal e familiar desde os seus primeiros anos de vida”. Filho de um engenheiro industrial e sobrinho de um bispo missionári­o, Echevarría nasceu em Ferrol, perto da pequena localidade industrial de As Pontes (A Corunha) onde o seu pai trabalhava como engenheiro da Central Térmica da Endesa.

A boa posição social da sua família nunca foi impediment­o para se aproximar das pessoas que tinham uma outra origem social. Desde criança colaborou como voluntário em várias ONG católicas espanholas e internacio­nais. Nas Pontes todas as pessoas se lembram dele, da sua simpatia, do seu skate e sempre com uma história para contar. Echevarría tinha um brilhante percurso, licenciatu­ras a Universida­de Complutens­e de Madrid e na Sorbonne de Paris, que o levou a trabalhar na sede do banco HSBC, em Londres, mas foi o seu percurso na humanidade que o tornou um herói improvável.

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