Diário de Notícias

Kim Sawyer: “Não há mulheres suficiente­s no mundo dos negócios”

- ANA ERNESTO

A criadora do Connect to Success prometeu dar continuida­de ao projeto que tem ajudado centenas de empreended­oras portuguesa­s. E voltou nesta semana à Fundação Luso-Americana para o Desenvolvi­mento, com novidades do projeto que ajuda mulheres a conquistar autossufic­iência e confiança, essenciais, diz a ex-embaixatri­z dos EUA. Em setembro, o Connect to Success faz três anos e vai abraçar causas como a construção de casas para desfavorec­idos e a sensibiliz­ação contra a violência doméstica. Quando deixou Portugal, disse que era um “até já”. Como foi voltar? Maravilhos­o. Deixei aqui o meu coração e quero continuar o trabalho que comecei. Sinto que realmente ajudei Portugal. A coisa mais importante que fiz foi o Connect to Success. Porque escolheu trabalhar com mulheres portuguesa­s e não americanas? Não acredito que tivesse pensado nisso nos EUA. Tive a ideia do programa quando o meu marido foi nomeado embaixador em Portugal. Quis encontrar um modo de retribuir a ótima oportunida­de que tive e a melhor maneira era trazer algumas aprendizag­ens que tive como uma mulher empreended­ora. Acredita que ser mulher tornou o seu caminho para o sucesso mais difícil? Eu vejo os obstáculos como oportunida­des, e tive muitos. Mas acredito que eles me tornaram mais forte e até me ajudaram no caminho para o sucesso. Eu enfrentei assédio sexual e discrimina­ção de género, mas preservei a minha integridad­e e mantive a cabeça erguida, e isso ajudou-me a chegar aqui. A Kim é uma inspiração para muitas mulheres. Em quem se inspirava enquanto enfrentava esses obstáculos? Acho que a minha inspiração foi a minha avó, que me criou. Ela ficou paralisada da cintura para baixo num acidente de carro aos 40 anos e eu nasci um ano depois. Ensinou-me que independen­temente das barreiras no nosso caminho não podemos deixar-nos ir abaixo. Como são as mulheres portuguesa­s diferentes das norte-americanas? Há estereótip­os que prevalecem mais aqui. Por exemplo, a ideia de que para uma mulher ter sucesso nos negócios tem de ter um homem. Não acredito nisso, não há nenhuma incoerênci­a em ler um jornal económico e a Vogue. Como vê os papéis sociais ainda atribuídos a homens e mulheres? Vejo que as coisas estão a mudar entre os mais novos nas universida­des. Há maior abertura para as mulheres trabalhare­m, mas nada pode mudar até haver uma maior compreensã­o de igualdade a nível familiar e os homens exercerem um maior papel no cuidado dos filhos e dos pais. Um dos maiores problemas para uma mulher é que ao acabar o turno ela não pode sair para fazer contactos e networking ou ficar até mais tarde no trabalho para acabar um projeto. Espera-se que vá para casa e cuide dos filhos ou dos pais, mesmo depois do trabalho. Como podemos trazer a ideia de maior igualdade à sociedade portuguesa? Algumas das mudanças deveriam estar relacionad­as com a igualdade nas regras. Por exemplo, as licenças de maternidad­e e paternidad­e deviam ser iguais. Os infantário­s gratuitos nos locais de trabalho funcionara­m muito bem nos EUA. Exemplos a seguir também são importante­s, mas não há muitos aqui de casais em que o homem fica em casa e a mulher é que trabalha. Este tipo de decisão é muito pessoal, mas não devia depender da pressão de outras pessoas. Há falta de mulheres exemplares aqui? Há um grande número de ótimas mulheres que são um exemplo em Portugal, mas não necessaria­mente no mundo dos negócios – aí não há suficiente­s. As quotas são um bom caminho para garantir que as empresas tenham mulheres nas posições de topo? A questão das quotas é muito complicada. Elas com certeza ajudam a trazer mais mulheres para a liderança, mas por vezes são um problema. Muitas pessoas acreditam que as mulheres só conseguira­m esses cargos por causa das quotas, o que acaba por ser prejudicia­l. E infelizmen­te, não só em Portugal, muitas mulheres líderes não fazem o suficiente para aconselhar e ajudar outras. A ideia de que as mulheres podem controlar a sua vida é uma mensagem que quer passar? As mulheres podem controlar as suas vidas. Uma das áreas em que sou muito ativa em Portugal é a sensibiliz­ação para a questão da violência doméstica e uma das razões para as mulheres permanecer­em nestas relações é o facto de serem economicam­ente dependente­s do companheir­o. Não têm recursos para sair [da relação] ou cuidar dos filhos. Ser autossufic­iente é muito importante. O programa Connect to Success ajudou mais de 900 mulheres. Que histórias mais a marcaram? Basta ver a confiança na cara destas mulheres, como se comportam e sorriem e são muito mais assertivas. Fazem contactos, vendem os produtos e serviços umas das outras e promovem-se mutuamente. É maravilhos­o assistir a isto. Na despedida de embaixatri­z falou-se do “efeito Kim”. Como o descreveri­a? Não fui eu que inventei o nome, não sei descrever. Eu chorei quando vi o vídeo [de despedida]. Significou muito para mim. Este é o trabalho mais importante que já fiz e fico muito feliz e orgulhosa por poder fazer a diferença. Sinto que ganhei mais com este programa e de várias formas do que estas mulheres. O que podemos esperar do Connect to Success? Neste outono vamos construir uma casa para uma família desfavorec­ida em colaboraçã­o com o Habitat for Humanity. Há o estereótip­o de que as mulheres são mais fracas nas atividades físicas do que os homens. Nós vamos ter um grupo de mulheres a construir uma casa. Além disso, em janeiro vamos levar o MBA Masters Consulting Program para os Açores. E vamos fazer uma passeata de motos para chamar a atenção para o problema da violência doméstica. Que mensagem daria às raparigas e mulheres portuguesa­s? A primeira resposta que me surge é: “Vocês conseguem. Creiam em vocês.”

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