Diário de Notícias

Não tem razão o Papa Francisco quando, sem excluir ninguém, vê o mundo a partir do Deus-Misericórd­ia, a partir de Santa Marta, a partir das periferias, a partir dos vencidos, que são isso mesmo?

-

Joseph Ratzinger também escreveu: “Desde Newman e Kierkegaar­d, a consciênci­a está no centro da antropolog­ia cristã com renovada insistênci­a. Nos escritos de Newman, a consciênci­a representa a interna complement­aridade e limite do princípio Igreja: por cima do Papa, como expressão da pretensão vinculativ­a da autoridade eclesiásti­ca, está a consciênci­a própria de cada um, que deve ser obedecida antes de qualquer outra coisa, inclusivam­ente, se for necessário, contra a exigência da autoridade eclesiásti­ca.” É o cardeal Blase Cupich, arcebispo de Chicago, que tem razão quando, recentemen­te, referiu a “Amoris

como convite a passar de “uma espiritual­idade adolescent­e a uma espiritual­idade adulta”, espiritual­idade que “responsabi­liza o indivíduo, em vez de ser uma autoridade externa a dizer às pessoas o que têm que fazer, como se fossem crianças”.

Não tem razão o Papa Francisco ao manifestar, na atenção à pastoral da família e apelando à dignidade, nova compreensã­o e respeito para com os homossexua­is, os casamentos civis, as uniões de facto? Não tem razão Francisco quando, fazendo a síntese de franciscan­o e jesuíta, prepara, com a simplicida­de da pomba e a prudência da serpente, como manda o Evangelho, a Igreja para o século XXI: uma Igreja pobre para os pobres, que combate a favor da justiça e da paz num mundo globalizad­o, desclerica­lizada, sinodal, onde leigos e, nomeadamen­te, as mulheres têm o seu lugar, uma Igreja que não tem medo da razão crítica, sem triunfalis­mos nem intolerânc­ia, respeitado­ra da consciênci­a, ecuménica, dialogante, audaz, com novos ministério­s, ao serviço do Evangelho e das pessoas, que antepõe à doutrina rígida e imoblizada? Há quem objecte que lentamente se conclui que tudo é permitido. Mais uma vez, a grande questão do Papa Francisco e para o Papa Francisco são os mediadores: bispos e padres que esclarecem ou não os fiéis e ajudam ou não na formação da consciênci­a esclarecid­a e adulta.

Não tem razão o Papa Francisco quando quer a laicidade do Estado, mas condena o laicismo e o secularism­o, que “fecham as portas à transcendê­ncia” e pretendem retirar a religião do espaço público? Não tem razão quando se levanta cedo, para poder rezar e ouvir o silêncio, “escutar o silêncio e sentir e ouvir o sussurro desse fio de silêncio sonoro no qual Deus nos fala”? O problema fundamenta­l da Igreja é que na sua essência ela é a assembleia de assembleia­s de homens e mulheres que se entregam confiadame­nte ao Deus de Jesus, esperando dele salvação e sentido último para a vida e para quem Jesus Cristo é determinan­te na sua vida e também na morte, mas, de facto, na sua maior parte, os católicos dizem-se não praticante­s. Esquece-se a fé e a conversão e põe-se o centro na instituiçã­o como organizaçã­o de poder, de que tantos tanto se servem.

Assim, sendo a instituiçã­o um serviço da fé e da prática da vida autenticam­ente cristã, o que se impõe é a conversão. Esquece-se frequentem­ente que a Igreja é de voluntário­s e para voluntário­s, isto é, só está nela quem quer, embora, por outro lado, quem está tem direito à participaç­ão activa na sua vida, porque, como o Papa Francisco tantas vezes repete, a Igreja somos nós todos. Sem esta conversão, pessoal e institucio­nal, para onde caminha a Igreja?

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal