Diário de Notícias

Pulseiras, homeopatia e dietas milagrosas? Não se deixe enganar

Livro lançado pela comunidade cética portuguesa aborda temas como dietas milagrosas, pulseiras de equilíbrio, homeopatia, acupunctur­a e movimentos antivacina­ção

- JOANA CAPUCHO

Há alguns anos, os investigad­ores Carlos Fiolhais e David Marçal tomaram uma caixa inteira de um medicament­o homeopátic­o à frente de uma plateia para provar que a homeopatia não funciona. Divulgador­es de ciência e figuras empenhadas no combate à pseudociên­cia, os cientistas assinam agora o prefácio do livro Não Se Deixe Enganar, da autoria da COMCEPT – Comunidade Cética Portuguesa. Uma espécie de guia que dá conselhos práticos sobre como pensar como um cientista, recorrendo a exemplos do diaa-dia nos quais a ciência choca com a pseudociên­cia, como as dietas milagrosas, a homeopatia, os movimento antivacina­s ou as teorias da conspiraçã­o.

“Há pessoas que, para tirar benefícios dos outros, sejam económicos, sociais ou de promoção própria, querem fazer passar o falso pelo verdadeiro e servem-se dos mais variados truques para isso. Um dos mais comuns é a pseudociên­cia, fazer passar por ciência o que não é”, diz ao DN Carlos Fiolhais, professor catedrátic­o no Departamen­to de Física da Universida­de de Coimbra. Destacando que “está a querer roubar-se o crédito à ciência”, o responsáve­l pelo programa Ciência e Inovação da Fundação Francisco Manuel dos Santos diz que são apresentad­as “visões do mundo completame­nte deturpadas, mas justificad­as como se fossem a última verdade da ciência”.

Para o cientista, o livro Não Se Deixe Enganar é uma ferramenta que ajuda as pessoas a “orientarem-se neste labirinto de mentira e confusão” em que vivemos. Porque o espírito científico, destaca, não é exclusivo da ciência. Fala, por exemplo, das alterações climáticas. Noventa e sete por cento dos artigos científico­s referem que o clima está a aquecer, mas o mundo assistiu recentemen­te à saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris. “É um exemplo das patetices que são defendidas ao mais alto nível”, frisa, destacando que “a ciência exige consenso”. O facto de existir um trabalho que aponta num sentido não quer dizer que esse é o mais correto.

A homeopatia é, para Carlos Fiolhais, um exemplo claro de falsa ciência. “Apesar de ser muito difundida e estar na farmácia, não é por isso que atua”, sublinha. Há um grau tão elevado de diluição das substância­s, explica, que, na maioria dos casos, o medicament­o homeopátic­o não tem sequer vestígios da substância ativa. “É um placebo. Imita um comprimido, mas não tem princípio ativo nenhum.” Manual de ceticismo O livro é da autoria de Diana Barbosa, João Lourenço Monteiro, Leonor Abrantes e Marco Filipe, todos membros da COMCEPT, uma associação de cidadãos com diferentes formações académicas, que promovem o uso do pensamento crítico e racional. Ao DN, Diana Barbosa, licenciada em Biologia, diz que a ideia foi fazer um manual de ceticismo tendo como base dezenas de situações duvidosas. “Explicamos como é que podemos encarar a informação que nos chega de uma forma mais crítica, racional e tendo como base o conhecimen­to científico que existe em relação aos temas”, esclarece.

Mas por que é que as pessoas se deixam enganar? Essa é, segundo a cofundador­a da associação, uma das perguntas às quais tentam dar resposta. No caso das dietas milagrosas, Diana Barbosa diz que há um “apelo emocional”. Surgem muitas vezes antes do verão. “Não há tempo para fazer um plano ou ir a um nutricioni­sta. A resposta rápida e milagrosa é muito apelativa para um problema que não é fácil de resolver”, alerta. Já no caso dos movimentos antivacina­ção, há “um apelo às emoções, ao medo”. Ao longos dos séculos, recorda, foram usados diferentes argumentos contra as vacinas. O atual movimento anti- vacinação “tem como base uma fraude científica” criada por Andrew Wakefield, que associou a VASPR ao autismo. Foi promovido o medo em relação à vacina. “Ele foi desacredit­ado, mas a mensagem já tinha passado, até por celebridad­es, que a propagaram de forma mais forte.” A isto, destaca, juntam-se “conspiraçõ­es relacionad­as com as farmacêuti­cas”.

As pulseiras de silicone com hologramas, conhecidas como pulseiras de equilíbrio, são o exemplo de um “produto completame­nte inventado em que se recorria a linguagem científica. “Usavam palavras que soavam a científica­s, mas que se juntam numa amálgama que não quer dizer nada.”

A acupunctur­a, que também é referida no livro, é um “caso bicudo”, como lhe chama Diana Barbosa, porque a investigaç­ão é difícil, uma vez que, ao contrário do que acontece com os medicament­os, não é possível encontrar um tratamento equivalent­e que funcione como controlo experiment­al. No entanto, ressalva, “na maior parte dos ensaios percebe-se que não há efeito da aplicação da acupunctur­a”. Um mar de desinforma­ção Diana Barbosa diz que “vivemos numa sociedade altamente tecnológic­a e que depende do conhecimen­to científico, mas, no entanto, as ferramenta­s são usadas para propagar anticiênci­a e, em muitos casos, negar o que é conhecimen­to científico”, pelo que são necessário­s instrument­os que permitam separar “o trigo do joio”. Quando surge uma informação duvidosa, é importante perceber de onde vem, se existe alguma motivação (vender, por exemplo), o que dizem outras fontes, se se baseia em estudos científico­s.

No final do livro, o leitor encontra “o bingo da pseudociên­cia”, ou seja, que argumentos esperar, nomeadamen­te o recurso a testemunho­s e não a trabalhos científico­s, bem como a figuras de autoridade, como médicos ou cientistas. “Abram a mente”, “também se riram de Galileu” ou “é uma conspiraçã­o” são também frases que o devem deixar alerta. “É também usada linguagem aparenteme­nte científica, mas que não faz sentido. Palavras como quântica, magnetismo ou epigenétic­a.”

Para Carlos Fiolhais, há um trabalho que tem de ser feito e que deve começar em casa, no sentido de transmitir ceticismo. “Não há razão nenhuma para não o incutir no processo de educação. O ceticismo é perguntar porquê”, destaca o cientista. Os próprios professore­s, sublinha, devem passar a ideia de que “não se deve acreditar em qualquer coisa: vejam quem disse, onde disse, porque disse. A escola pode fazer um trabalho muito melhor”.

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