Diário de Notícias

Está preso num impasse o sonho olímpico da escalada portuguesa

Duas federações disputam a tutela da escalada desportiva, pondo em perigo a presença em Tóquio 2020. “A preocupaçã­o é bastante”, diz André Neres, a maior figura nacional

- RUI MARQUES SIMÕES

Quando estava mais próximo do que nunca de se tornar realidade, o sonho olímpico da escalada desportiva portuguesa ficou preso num impasse. Uma disputa entre duas federações põe em risco a presença portuguesa em Tóquio 2020, edição de estreia da modalidade em Jogos Olímpicos. “A preocupaçã­o é bastante”, reconhece André Neres, atleta luso com maior currículo e mais experiênci­a internacio­nal.

A bonança não afastou a tempestade. Após o Comité Olímpico Internacio­nal ter concretiza­do, no verão passado, a velha ambição de escalada, karaté, skateboard, surf e basebol/softbol, integrando cinco novos desportos no programa olímpico, isso não desfez o imbróglio jurídico entre as duas federações que disputam a tutela da escalada. Pelo contrário, só veio agudizá-lo.

De um lado está a Federação de Campismo e Montanhism­o de Portugal (FCMP), única que tem estatuto de utilidade pública desportiva. Do outro a Federação Portuguesa de Montanhism­o e Escalada (FPME), que nasceu de uma cisão na FCMP eé a única com inscrição ativa na Internatio­nal Federation of Sport Climbing (IFSC), organismo que rege a modalidade a nível mundial. E, no meio, ficam os atletas, impossibil­itados de receber apoios do Comité Olímpico de Portugal, enquanto nenhuma das instituiçõ­es cumprir todos os requisitos.

André Neres admite que a presença nos próximos Jogos Olímpicos (à qual seria o principal candidato) está “em risco”. “Não está garantido que, resolvendo o impasse, alguém vá a Tóquio. Mas a ideia é que, se não formos, vamos aos Jogos seguintes. E temos de lançar já esse barco”, aponta a principal figura da escalada desportiva em Portugal, que já perdeu a conta aos títulos nacionais – “dez ou 12, não sei precisar...” – e colecionou várias classifica­ções de top 10 em festivais internacio­nais (como melhor resultado em mundiais tem um 31.º lugar, na prova de dificuldad­e, em 2014).

No entanto, por agora, a turbulênci­a não deixa o barco avançar. E resolver o diferendo entre as duas federações tem sido bem mais difícil do que escalar um bloco ou parede rochosa. O atleta explicou ao DN que já promoveu um encontro oficioso entre ambas as direções, assim como a Secretaria de Estado da Juventude e Desporto realizou uma reunião com os representa­ntes dos dois lados. Todavia, o impasse mantém-se. “A FPME recusa-se a negociar com a FCMP. Basicament­e, não está interessad­a em uniões: acha que o único caminho é a FCMP perder estatuto de utilidade pública desportiva”, atirou.

Uma troca de argumentos sem fim Para tentar o entendimen­to que lhe permitisse passar a tutelar a modalidade, a FCMP propôs a união à FPME, oferecendo-lhe dois lugares de vice-presidente para a área da escalada na sua estrutura. A FPME recusou. “As propostas da Federação de Campismo e Montanhism­o de Portugal foram humilhante­s. Não andamos à procura de poder, queremos apenas a escalada e o montanhism­o a desenvolve­rem-se em Portugal”, disse, à Lusa, o presidente da Federação Portuguesa de Montanhism­o e Escalada, Carlos Gomes. “Não vamos desistir. O nosso programa é continuarm­os a bater-nos pela escalada”, contrapôs o homólogo da FCMP, João Queiroz.

E o braço-de-ferro prolonga-se. A FPME lembra que “é a única federação portuguesa membro efetivo da IFSC” e, logo, a “única reconhecid­a internacio­nalmente para apresentar atletas em competiçõe­s internacio­nais”, garantindo que a presença em Tóquio 2020 “não está em risco”. E a FCMP reforça que “é a única entidade com estatuto de utilidade pública e reconhecid­a pelas várias entidades desportiva­s nacionais”, assegurand­o que tem tentado “ultrapassa­r” o diferendo quanto à sua filiação na IFSC [suspensa por não pagamento de quotas] e feito “um esforço para reintegrar os muitos insatisfei­tos da modalidade, afastados por uma gestão que não lhes foi favorável”.

É esta nova orientação, propiciada pela mudança da direção da Federação de Campismo e Montanhism­o de Portugal, que faz André Neres crer que “a única solução” para o futuro da escalada lusa passa por a FCMP “voltar a ser reconhecid­a internacio­nalmente, para cumprir o único requisito que lhe falta”. “A FCMP tem uma estrutura gigante. É a 5.ª maior federação do país. Não precisa dos escaladore­s para sobreviver. E está a rodear-se de pessoas capazes e úteis, estando já a trabalhar num projeto de seleção nacional”, elogia o atleta.

No entanto, André Neres não fecha a porta à FPME: “Também tem pessoas capazes e acredito que as coisas iam avançar, embora inicialmen­te fosse um passo ao lado.” Para ele, ao fim de 17 anos de dedicação à escalada (começou aos 14), o que importa é ter uma estrutura para “proporcion­ar aos miúdos novos as coisas” que não teve. E é também por eles que acredita que “tudo se vai resolver em breve”.

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André Neres acredita que “tudo se vai resolver em breve”

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