Portugal: o novo eldorado da classe média brasileira
“Que venham os brasileiros”, convidou António Costa na semana passada, em entrevista à revista Veja, semanário de maior circulação do Brasil, concedida durante a sua terceira visita ao país em menos de um ano. A declaração do primeiro-ministro, que havia sido questionado sobre a recente vaga migratória de brasileiros para Portugal, soou como música para os ouvidos de muita gente e criou definitivamente a sensação de que as terras lusitanas são um eldorado para a classe média oriunda do outro lado do Atlântico.
Não que os meus conterrâneos estivessem à espera de um convite formal. A diáspora de brasileiros abastados não é nenhuma novidade e acontece com frequência em momentos de crise. O que há de mais surpreendente é a eleição de Portugal como destino.
Apesar da proximidade linguística e cultural, o país era visto como uma espécie de patinho feio da Europa para os brasileiros mais ricos. Desde a eclosão da última crise político-económica, em 2014, no entanto, a coisa mudou de figura. Os bons índices de segurança, o custo de vida relativamente baixo, ensino de qualidade e a língua comum são apontadas pelos especialistas como algumas das razões para a migração. A minha perceção – compartilhada por muita gente que lida diariamente com esses imigrantes – é que isso vai muito além. Parece ter havido, adicionalmente aos fatores estruturais, uma jornada de redescoberta das raízes portuguesas para muitos brasileiros. Para tantos outros, mesmo sem ascendência lusa, a cultura e o turismo serviram como porta de entrada para um interesse no país. No ano passado, nunca tantos brasileiros visitaram Portugal como turistas: 624,5 mil viajantes, uma alta de 13% em relação a 2015.
Nos últimos sete anos, nunca tantos brasileiros obtiveram a cidadania portuguesa. Desde 2010, foram quase 90 mil. O consulado português em São Paulo é o que mais emite cidadanias portuguesas no mundo. Por lá, só em 2016, foram 7413. Aumento de 231% em relação a 2005, quando foram atribuídas 2235 delas. Numa entrevista concedida à Folha de S.Paulo, o cônsul-geral na cidade, Paulo Lourenço, disse que o brasileiro redescobriu Portugal. “Percebo um interesse crescente. Tanto na questão das nacionalidades como dos investimentos”, afirmou ele, que está há cinco anos na capital mais rica da América Latina.
Segundo o cônsul, nos últimos meses, mais de mil brasileiros participaram em seminários específicos sobre investimentos e capital realizados no consulado.
Dados do Banco Central do Brasil indicam um interesse crescente desde 2012. No fim de 2015, Portugal já era o terceiro país onde os brasileiros mais investiram em imóveis. Com 8,7% do total, fica atrás apenas dos EUA e da França. Segundo a Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP), os brasileiros superaram os chineses e, em setembro de 2016, tornaram-se a terceira nacionalidade que mais compra no país. Diante deste cenário, não demorou para que Lisboa recebesse a alcunha de “nova Miami” – talvez um pouco precipitadamente – para os brasileiros.
Nos últimos três meses, todos os grandes meios de comunicação social brasileiros fizeram reportagens exaltando a diáspora de médicos, empresários, engenheiros e outros profissionais qualificados para Portugal.
Muito antes de Madonna ou Fassbender, as nossas celebridades já investiam em ter um cantinho por cá. Artistas, empresários, investigados na Lava-Jato e até o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Gilmar Mendes, têm uma casa portuguesa.
Recentemente, tornou-se viral um vídeo do ator Pedro Cardoso, intérprete do Agostinho do humorístico A Grande Família, contando os motivos que o fizeram trocar o Brasil por Portugal. Entre as razões apresentadas estão a segurança e o sistema de saúde.
Diante da repercussão entre os brasileiros do “convite” à imigração feito por António Costa e de relatos como o do ator Pedro Cardoso, é fácil perceber que muitos acham que a entrada no espaço Schengen será um antídoto mágico para os problemas.
Portugal tem inúmeras qualidades, mas é uma terra muitas vezes difícil até para os próprios portugueses. A sua apresentação irresponsável como “eldorado da classe média” pode trazer, como tudo indica, desilusões e problemas para ambos os lados.
Portugal tem inúmeras qualidades, mas é uma terra muitas vezes difícil até para os portugueses. A sua apresentação irresponsável como “eldorado da classe média” pode trazer desilusões e problemas para ambos os lados