Europeus podem ficar no pós-brexit mas só com novos documentos
Mesmo os cidadãos da União Europeia que trataram da autorização de residência permanente vão ter de regularizar o seu estatuto depois da saída, segundo a proposta de May. Bruxelas exige “mais clareza e garantias”
Os cidadãos europeus que residem legalmente no Reino Unido há mais de cinco anos vão ter os mesmos direitos que os britânicos depois do brexit. Mas terão de regularizar o seu estatuto e ter uma espécie de cartão de identidade especial – até os pelo menos 135 mil que, desde o referendo de há um ano, gastaram tempo e dinheiro no processo para tratar da residência permanente. Os pormenores da proposta “justa e séria” que já tinha sido delineada pela primeira-ministra Theresa May no Conselho Europeu da semana passada foram ontem revelados num documento de 24 páginas. A União Europeia (UE) pede “mais ambição, clareza e garantias”, argumentando que permanecem “uma série de limitações preocupantes”.
Os cerca de 3,2 milhões de europeus “serão tratados como se fossem cidadãos britânicos em termos de cuidados de saúde, educação, segurança social e pensões de reforma”, garantiu May num discurso no Parlamento em Londres. “Sei que alguns estão ansiosos. Mas quero garantir plenamente às pessoas que, com este projeto, não será pedido a nenhum cidadão europeu atualmente de forma legal no Reino Unido que deixe o país quando sairmos da UE”, afirmou, exigindo reciprocidade para os 1,2 milhões de britânicos que vivem no resto da UE.
Um aspeto a negociar será a data até à qual contam esses cinco anos (sabendo-se que haverá um prazo de dois anos para pedir os novos documentos): entre 29 de março de 2017, quando May acionou o artigo 50 que lançou oficialmente o brexit, e a data da saída, 29 de março de 2019. Os cidadãos europeus que residem há menos de cinco anos de forma contínua no Reino Unido podem continuar a viver e a trabalhar no país, podendo candidatar-se a residência temporária e ao estatuto mais definitivo quando passarem os tais cinco anos. Quem chegue depois será sujeito ao novo sistema de imigração, ainda não definido.
Segundo as autoridades britânicas, o processo será mais simples do que o atual, que garante a residência permanente – que inclui o preenchimento de um documento com 85 páginas e custa, no mínimo, 65 libras por pessoa. Até março, e desde o referendo, 135 mil pessoas tinham preenchido os documentos – no caso dos portugueses, em 2016, foram feitas 6050 candidaturas a residência permanente, tendo cerca de um terço sido rejeitada ou considerada inválida. Quem já tem residência permanente terá um processo ainda mais simplificado.
Quanto aos dependentes familiares que se juntem a um europeu residente antes do brexit, poderão candidatar-se ao estatuto ao fim de cinco anos. Depois do brexit, terão de seguir o mesmo processo que os britânicos quando querem levar familiares para o país – o que implica um valor mínimo de rendimentos. O Tribunal Europeu de Justiça não terá jurisdição em caso de litígio.
O líder da equipa de negociações de Bruxelas, Michel Barnier, reagiu no Twitter. “Objetivos da UE sobre os direitos dos cidadãos: o mesmo nível de proteção que na lei da UE. É preciso mais ambição, clareza e garantias do que no Reino Unido como ele é hoje”, indicou, fazendo eco das primeiras reações dos líderes europeus após May lhes ter apresentado a proposta. Na altura, o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, disse que ficava “aquém das expectativas”. Guy Verhofstadt, o negociador do Parlamento Europeu, lamentou ontem a existência de “uma série de limitações preocupantes” na proposta.
No Parlamento, o líder da oposição, Jeremy Corbyn, também foi crítico: “Esta não é uma oferta generosa. É a confirmação de que May quer utilizar as pessoas como moeda de troca”, afirmou. Os pormenores da proposta foram conhecidos no mesmo dia em que os conservadores chegaram a acordo com o Partido Unionista Democrático (DUP), da Irlanda do Norte, liderado por Arlene Foster, que permitirá à primeira-ministra governar em minoria. Um pacto que implicará gastar mais um milhão de libras do que o esperado na Irlanda do Norte nos próximos dois anos.
Segundo o acordado, os dez deputados do DUP vão apoiar os tories nas leis do brexit, segurança e orçamento – e já na quinta-feira, na aprovação do discurso da rainha. No resto, será visto caso a caso. May congratulou-se com o acordo “que nos vai permitir trabalhar juntos no interesse de todo o Reino Unido e que nos dá a certeza de que precisamos quando lançamos a nossa saída da UE”. Em troca, haverá mais dinheiro para a Irlanda do Norte, que segundo Foster vai “estimular a economia e o investimento em infraestruturas, saúde e educação”.
As primeiras ministras da Escócia e do País de Gales já protestaram. Já Corbyn reagiu em comunicado, exigindo saber de onde vem o dinheiro e se outras parte do país vão receber fundos adicionais. “Este acordo Tory-DUP não é do interesse nacional, mas do interesse do partido de May para a ajudar a agarrar-se ao poder”, acrescentou.
“Com este projeto, não será pedido a nenhum cidadão europeu atualmente de forma legal no Reino Unido que deixe o país quando sairmos da UE” THERESA MAY PRIMEIRA-MINISTRA BRITÂNICA “É preciso mais ambição, clareza e garantias do que no Reino Unido como ele é hoje” MICHEL BARNIER LÍDER DA EQUIPA NEGOCIADORA DE BRUXELAS