Diário de Notícias

Mesmo com Trump no poder e a nova política externa, os cubanos de Miami já não acreditam na mudança e no futuro da ilha

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estão a preparar-se para abrir a segunda.” Mas Raúl Castro não fez regressar restrições à iniciativa privada, pergunto. Reinaldo explica porque o negócio da família é tolerado. “Sabe, um restaurant­e para turistas não resolve qualquer problema ao governo ou aos cubanos. Esses eles voltaram a cortar. Conseguimo­s abrir a lavandaria porque estamos a resolver um problema real das pessoas.”

Reinaldo não fala abertament­e contra o regime e está a milhas da revolta que havia de escutar, nessa tarde, noutras conversas em Little Havana. Conta-me que saiu da ilha porque deixou de conseguir sustentar a família. Eletricist­a, trabalhou toda a vida na companhia cubana de energia elétrica. Mas saiu porquê? Não era um bom emprego? Reinaldo abana a cabeça, sorri e olha pelo retrovisor com cara de espanto pela pergunta. “Enquanto Fidel não adoeceu, eu conseguia viver mais ou menos bem. Mas não era por causa do salário… Só me safava porque fazia coisas por fora. Podes chamar-lhe pequena corrupção. Era assim que conseguia – eu e todos os outros – levar comida para casa. Quando Raúl chegou quis acabar com a corrupção, ficaram mais vigilantes, e a minha vida mudou.”

Reinaldo encolhe os ombros quando pergunto sobre as mudanças na política americana em relação a Cuba. “Nada mudou por enquanto, a não ser, talvez, a forma como se encara o futuro da ilha. Agora, com Trump, temos uma certeza. Os cubanos vão sentir mais na pele as sanções e o bloqueio.” Reinaldo Massa viveu quarenta e muitos anos em Cuba e diz que há algo que dá como garantido. “Nenhum dos problemas de Cuba ou dos cubanos pode ser resolvido pelos Estados Unidos ou simplesmen­te por uma normalizaç­ão das relações entre a América e Cuba.” Quase a chegar à Calle Ocho, Reinaldo solta o pedaço mais interessan­te da conversa. “O problema de Cuba são os cubanos. A mentalidad­e da maioria é ficar à espera que alguém lhes resolva os problemas. É uma herança que têm dos anos de Castro e Raúl.” Os que ficam na ilha, diz, têm uma relação paternalis­ta com o governo e “não mexem uma palha para mudar a realidade”. Já tinha aberto a porta para sair quando Reinaldo se vira para trás e saca de uma comparação: “Estás a ver o que se passa na Venezuela? Em Cuba, lutar pela liberdade como os venezuelan­os?! Não! Nem pensar... Isso pode acabar em morte e eles não querem morrer a lutar.” Little Havana, como em Cuba Saio do carro de Reinaldo na esquina do Parque Máximo Gómez (ou parque Dominó) com a Calle Ocho. A tarde está quente e húmida. Tropical. Dentro do parque – um pequeno recanto com duas estruturas fixas para proteger da chuva quem joga dominó e xadrez –, dezenas de homens jogam dominó. O som das peças atiradas umas contra as outras, na preparação de uma nova partida, vai quebrando o silêncio e mistura-se com a salsa que chega do outro lado da rua. Aqui não vou incomodar ninguém, estão todos demasiado concentrad­os.

Percorro um pouco da Calle Ocho e sinto que, se esquecermo­s a arquitetur­a, se pararmos e fecharmos os olhos, estamos em Havana. Cheira a café forte e doce, a charutos, e há uma banda sonora

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