Diário de Notícias

James Murphy tinha anunciado a sua retirada em 2011. Felizmente não cumpriu a promessa e traz-nos mais um disco maior, para onde foram convocados nomes grandes da música

-

MIGUEL MARUJO A notícia sobre o fim dos LCD Soundsyste­m foi manifestam­ente exagerada, já sabemos. Depois de um concerto que seria um longo adeus, em 2011, James Murphy regressou, primeiro com uma canção de Natal, em 2015, depois com concertos aqui e ali e, por fim, o anúncio de que vinha novo álbum, antecipado por três canções.

Há sempre um risco quando se espera muito tempo por algo de que gostamos bastante, mas o compositor, produtor e frontman dos LCD Soundsyste­m não falhou neste seu renascimen­to em que revisita o sonho da América, neste novo American Dream (disponível nas lojas e nas plataforma­s digitais desde 1 de setembro). Neste intervalo, Murphy fez muitas outras coisas mas não descurou o seu gosto, apurado nos três (sim, apenas três) álbuns que fazem do grupo uma história maior na música americana — um primeiro disco homónimo (2005), o segundo Sound of Silver (2007) e o terceiro This Is Happening (2010), a que se somam álbuns de remisturas e gravações ao vivo.

Quem conhece estas suas obras anteriores sabe das múltiplas referência­s musicais, nos estilos e nos nomes, que Murphy bebe e destila para apurar um som e um conceito únicos. Para American Dream foram convocados os nomes de Lou Reed, Leonard Cohen, Alan Vega, dos Suicide, e David Bowie (todos eles morreram nestes últimos anos), mas também os Talking Heads de Once in a Lifetime se fazem ouvir ao som da guitarra de Robert Fripp em OtherVoice­s.

Esta curiosidad­e pelo mundo dos sons levou James Murphy às propostas mais inesperada­s. O homem que chegou tarde à linha da frente do palco (e porque os The Rapture, a banda que se preparava para produzir, foram bater à porta ao lado) chateou à exaustão as autoridade­s de transporte­s de Nova Iorque para que o som dos torniquete­s do metro da cidade fosse alterado para “uma bela sinfonia eletrónica”. Ao jornal britânico The Guardian, um funcionári­o da empresa explicou com enfado que o ouviram muitas vezes e que lhe respondera­m repetidame­nte que não podiam fazer isso.

Será pois um jogo divertido percorrer as estrias de American Dream a adivinhar as influência­s de um melómano que nunca teve vergonha em cruzar o rock e música das pistas de dança, mas o que este registo revela é um trabalho de filigrana que depura todas essas influência­s num som muito seu e próprio.

Logo a abrir há a espantosa Oh Baby, que explica-se exatamente assim, depurado, viciante nas suas camadas de um ritmo cadenciado de sintetizad­ores a acompanhar­em numa dolência quase sensual a voz inconfundí­vel de Murphy, um sonho mau nos braços do seu amor. Em Other Voices, os LCD Soundsyste­m abrem a janela e deixam entrar a luz, avançando para

diznos em

O sonho americano parece ainda mais difícil de se viver, como notam os versos de American Dream: “Grab your clothes and head to the doorway/ If you dance out, no one complains/ Find the place where you can be boring/Where you won’t need to explain/ That you’re sick in the head and you wish you were dead.”

Este desencanto caminha para o fim, com Emotional Haircut a antecipar o mais longo tema do álbum, de 12 minutos, uma canção que é deste tempo: Black Screen canta Murphy no seu ecrã negro do computador, numa canção a meias (em sonhos) com David Bowie.

O The Guardian escreveu que só uma coisa pode ensombrar a genialidad­e de American Dream: os álbuns precedente­s dos LCD Soundsyste­m. Deem-lhe tempo, ouçam-no muito.

American Dream

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal