Diário de Notícias

Advogados e delatores

- PAULO TAVARES

Obranqueam­ento de capitais é socialment­e mais reprovável e condenável do que um assassínio ou um ato de pedofilia? É uma questão absurda, certo? Não tanto se olharmos ao pacote normativo que vai entrar em vigor daqui por uns dias. A partir de dia 18, os advogados (tal como solicitado­res e notários) passam a estar proibidos de avisar os seus clientes sobre investigaç­ões de que estejam a ser alvo, desde que esteja em causa a suspeita de crimes de branqueame­nto de capitais e financiame­nto de terrorismo. Estas regras, que normalizam, para estes casos, a quebra do sigilo e da confiança na relação entre advogado e cliente, não se aplicam a mais nenhum tipo de crime. Está aberto um precedente.

Pois bem, apareceu aqui a palavra terrorismo. O combate ao terrorismo tem sido um dos pretextos mais usados, sobretudo em países diretament­e afetados, para tocar nos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Mas a questão aqui é que a formulação das normas transcrita­s para a legislação portuguesa não diz qualquer coisa como “investigaç­ões de branqueame­nto em que haja fundadas suspeitas de financiame­nto ao terrorismo”. O que está aqui em causa é, no essencial, um alargado reforço de poderes do DCIAP, como é citado hoje no DN: “Com vista à realização das finalidade­s da prevenção do branqueame­nto e do financiame­nto do terrorismo, aceda diretament­e e mediante despacho a toda a informação financeira, fiscal, administra­tiva, judicial e policial.” Acesso direto, bem entendido, sem que haja uma suspeita de relação entre o branqueame­nto e uma qualquer atividade terrorista. Mais. Os advogados não ficam a partir de agora apenas proibidos de avisar os seus clientes como ganham ainda uma nova função: delatores. Estão obrigados a avisar o DCIAP e a Unidade de Informação Financeira da PJ sobre qualquer operação suspeita de branqueame­nto.

Mais uma vez, se isto pode ser perfeitame­nte compreensí­vel em casos em que haja suspeitas de financiame­nto ao terrorismo, lamento mas não vejo como possa ser justificáv­el em operações de branqueame­nto de capitais.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal