Advogados e delatores
Obranqueamento de capitais é socialmente mais reprovável e condenável do que um assassínio ou um ato de pedofilia? É uma questão absurda, certo? Não tanto se olharmos ao pacote normativo que vai entrar em vigor daqui por uns dias. A partir de dia 18, os advogados (tal como solicitadores e notários) passam a estar proibidos de avisar os seus clientes sobre investigações de que estejam a ser alvo, desde que esteja em causa a suspeita de crimes de branqueamento de capitais e financiamento de terrorismo. Estas regras, que normalizam, para estes casos, a quebra do sigilo e da confiança na relação entre advogado e cliente, não se aplicam a mais nenhum tipo de crime. Está aberto um precedente.
Pois bem, apareceu aqui a palavra terrorismo. O combate ao terrorismo tem sido um dos pretextos mais usados, sobretudo em países diretamente afetados, para tocar nos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Mas a questão aqui é que a formulação das normas transcritas para a legislação portuguesa não diz qualquer coisa como “investigações de branqueamento em que haja fundadas suspeitas de financiamento ao terrorismo”. O que está aqui em causa é, no essencial, um alargado reforço de poderes do DCIAP, como é citado hoje no DN: “Com vista à realização das finalidades da prevenção do branqueamento e do financiamento do terrorismo, aceda diretamente e mediante despacho a toda a informação financeira, fiscal, administrativa, judicial e policial.” Acesso direto, bem entendido, sem que haja uma suspeita de relação entre o branqueamento e uma qualquer atividade terrorista. Mais. Os advogados não ficam a partir de agora apenas proibidos de avisar os seus clientes como ganham ainda uma nova função: delatores. Estão obrigados a avisar o DCIAP e a Unidade de Informação Financeira da PJ sobre qualquer operação suspeita de branqueamento.
Mais uma vez, se isto pode ser perfeitamente compreensível em casos em que haja suspeitas de financiamento ao terrorismo, lamento mas não vejo como possa ser justificável em operações de branqueamento de capitais.